Mestre Hilton: pequena biografia de um grande homem

| 6 Dezembro, 2020

João Bosco de Queiroz*

Mestre Hilton | DMC/Sede Geral.

  “Dai-nos senhor Luz, Paz e Amor para que possamos mostrar-nos dignos de sermos filhos da Criação Divina.”
Mestre Hilton

Hoje, dia 6 de dezembro de 2020, faz 110 anos do nascimento de Hilton Pereira Pinho, o Mestre Hilton. Mesmo tendo nascido em condições totalmente adversas e numa época em que a sobrevivência não era nada fácil para as crianças nascidas no interior do Brasil, Hilton Pereira Pinho não era uma pessoa comum. Esse nordestino, nascido no Maranhão, numa família sem muitas condições materiais, conseguiu, por meio de muito sacrifício, esforço, disciplina e organização, construir umas das histórias de superação das mais belas. Tornou-se um dos responsáveis por estruturar uma Religião cristã reencarnacionista, que serve de exemplo para todos aqueles que querem conhecer o que é o Espírito e sua caminhada de evolução aqui na Terra.

Nascido no pequeno povoado Gipúba, pertencente ao munícipio de Guimarães (MA), no dia 6 de dezembro de 1910, Hilton Pereira Pinho era filho de João de Deus Soares e Raimunda Patrocínia Pinho. Muito cedo, aos 3 anos de idade, perdeu o pai e foi criado com grandes dificuldades e sacrifícios pela mãe. Ali mesmo, naquela localidade, iniciou seus estudos com um professor de nome Agenor, que, além de sapateiro, era português de nascimento. Depois de algum tempo, por ser muito pobre e gostar de estudar, foi morar com uma professora chamada Rosa Barrada, em Guimarães, onde aprendeu as primeiras lições do ABC e ficou até os 12 anos de idade.

Vida profissional

Desde criança, tinha muita vontade de estudar, aprender e descobrir as coisas da natureza. E essa vontade de aprender fez com que fosse morar com sua tia Ana, irmã de sua mãe, na capital São Luís, no ano de 1922. Essa mudança para outra cidade, em busca de conhecimento e de um futuro melhor, mas distante do carinho e da companhia da mãe, marcaria para sempre a vida do pequeno Hilton, porque, além da ausência de uma pessoa amada, teve de estudar e trabalhar muito para auxiliar nas despesas de casa.

Primeiramente trabalhou vendendo água nas casas das pessoas e, como ganhava muito pouco, teve de procurar outra atividade. Assim, aprendeu o ofício de sapateiro com um senhor de nome Pedro. Depois, já como sapateiro, foi trabalhar na oficina do Sr. Maximiano, e em seguida na oficina do mestre Antenor, que era considerado na época o melhor sapateiro da capital, pois só confeccionava obras finas, tanto para homens como para as mulheres. Com o mestre Antenor, foi declarado oficial de sapateiro. Mesmo trabalhando, continuava estudando no centro Caixeral, na Escola de Comércio São Luís, onde frequentou o Tiro de Guerra e foi considerado reservista de 2ª categoria.

Com uma vida sempre ocupada e gostando de participar ativamente dos movimentos sociais, ingressou, em 1928, aos 18 anos, na sociedade União Operária Maranhense, que abrigava a cúpula do presidente do estado, José Maria Magalhães de Almeida. No ano seguinte, foi eleito secretário da União Operária Maranhense, e em 1930 concorreu novamente como secretário.

Em 1931, levando uma vida muito sacrificada, os colegas do centro Caixeral o convidaram para se alistar como voluntário e servir no Rio de Janeiro. Mestre Hilton conta que não tinha recursos para preparar os documentos e fazer a viagem, mas foi auxiliado pelos colegas, especialmente por Antônio Pinheiro e Edui Góes, que bancaram tudo, inclusive fazendo a inscrição junto ao 24º Batalhão de Caçadores, cuja sede era em São Luís, no Maranhão. Feita a inscrição, seguiu viagem com destino ao Rio de Janeiro, na época capital da República, em fevereiro de 1932, no navio João Alfredo, do Lloyd Brasileiro.

O ano de 1937 foi um ano muito marcante e significativo na trajetória de vida de Hilton, uma vez que ele foi transferido para a 3ª Cia. de Fronteira, em Porto Velho, no Amazonas. Nesse mesmo ano, foi designado pelo comando da Cia. para lecionar Educação Física no Grupo Barão de Solimões e no Colégio Dom Bosco.

Em abril de 1938, foi transferido para o 3º pelotão, sediado no município de Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia, e nomeado, pelo delegado Joaquim Cesário da Silva, professor da escola noturna Reunidas.

Hilton retorna novamente para Porto Velho, e em maio de 1939, foi transferido do 3º pelotão para a sede da Cia., onde no mesmo ano foi promovido ao posto de 3º sargento e contratado para lecionar novamente no Colégio Dom Bosco. Em 1940, foi designado monitor do curso de cabos para a 3ª Cia. de Fronteira e, em fevereiro do ano de 1941, foi licenciado do serviço ativo do Exército Brasileiro.

Como era uma pessoa inteligente, competente e trabalhadora, foi admitido no dia 1º de março de 1941 como conferente de 2ª classe na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e no mesmo ano foi transferido para o cargo de datilógrafo. Sua carreira dentro da empresa foi ascendente e ,em 1942, foi designado para cuidar do almoxarifado da estrada; em 1944, foi promovido para 3º escriturário e, em agosto de 1945, foi mais uma vez promovido, dessa vez para mestre de linha de 1ª classe, mestre-geral da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, tendo ocupado esse cargo pelos 18 anos seguintes e sendo lotado na Divisão de Engenharia, onde ocupou por diversas vezes a Seção de Pessoal, porque sabia lidar bem com as pessoas. Após esse longo período como mestre de linha, em 1963 foi classificado como oficial de administração nível 12-A e transferido para a Divisão de Locomoção, onde permaneceu até ser desligado do quadro da estrada de ferro, em 1º de março de 1966.

Fundou, em 13 de junho de 1969, junto com José Gabriel da Costa e outros companheiros, a Associação Profissional dos Trabalhadores nas Indústrias de Olaria e Produto de Cimento de Porto Velho, sendo eleito presidente por unanimidade, nessa mesma data.

Respeitado em toda Porto Velho pelas diversas profissões que exerceu e pelos diversos cargos que ocupou, ainda foi membro do tribunal de júri como integrante do corpo de jurados por mais de 30 anos, tendo sido afastado em 1979, aos 69 anos de idade, por “velhice”.

Vida familiar

Quando estava destacado como sargento do Exército, na pequena cidade de Guajará-Mirim, no distante ano de 1938, conheceu aquela que seria sua amiga, esposa e companheira durante toda a vida: Raimunda Mascarenhas Pinho, dona Raimunda, como era conhecida. Era uma mulher bonita, inteligente, religiosa e muito caridosa. Filha de José de Almeida Mascarenhas (português) e Maria Mascarenhas (maranhense), era natural de Guajará-Mirim e, naquele mesmo município, casou-se com Hilton no dia 11 de fevereiro de 1939. Juntos, tiveram, criaram e educaram dez filhos.

Dona Raimunda lutou muito junto com o esposo para dar melhores condições de vida e estudo aos filhos, numa parceria que se mostrou bem-sucedida, pois enquanto Hilton cuidava da parte espiritual, ela era responsável pela parte material e pela educação dos filhos. Como uma mãe zelosa, era dona do lar e também costureira, trabalhando para auxiliar nas despesas de casa e procurando dar um melhor conforto para seus dez filhos.

De comum acordo com o esposo, em meados da década de 60, levou alguns filhos para estudar no Rio de Janeiro, uma vez que Porto Velho, naquela época, não oferecia muitas condições para isso.  Depois de um tempo, voltou a Porto Velho e, em seguida, novamente ao Rio, para os filhos fazerem curso superior, tendo regressado após a formatura dos três filhos mais novos: Antônio, Lúcia e Auxiliadora.

Em 1991, já viúva, dona Raimunda muda-se definitivamente com alguns filhos para Vitória, no Espírito Santo, cidade que a acolheu e da qual gostava muito. No ano de 2005, em uma viagem ao Rio de Janeiro, para visitar sua filha Marlene, passa mal, fica internada e faz sua viagem de volta à pátria espiritual no dia 27 de outubro. Como era seu desejo, seu filho Antônio transportou sua matéria para ser sepultada em Vitória-ES.

Sentiu um enorme prazer e uma imensa alegria por ter conseguido formar os filhos, apesar de todas as dificuldades enfrentadas e tantas ocupações e responsabilidades a cumprir.

Missão espiritual

Desde criança, Mestre Hilton tentava entender os mistérios da vida e buscava compreender as coisas espirituais. Nessa busca, no ano de 1945, frequentando o terreiro de umbanda São Benedito, em Porto Velho, conheceu o Mestre Gabriel, de quem ficou sendo compadre (padrinho de Jandira Gabriel) e amigo. Após se aposentar em 1965 e indo morar com toda a família no Rio de Janeiro, Hilton volta a Porto Velho no fim do ano, para resolver algumas coisas particulares, e nessa oportunidade reencontra com o Mestre Gabriel, que o convida para conhecer a União do Vegetal e seguirem juntos.

Ele próprio contava que: “Tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o Sr. José Gabriel da Costa, de quem me tornei amigo, principalmente porque frequentávamos o mesmo terreiro (São Benedito), do qual ele era Ogan. Em 1965, mudei-me para o Rio de Janeiro com toda a minha família, pois havia me aposentado. Mas, devido a meus negócios em Porto Velho, tive que voltar. Chegando aqui (Porto Velho), em 26 de dezembro de 1965, nesse mesmo dia, compareci ao terreiro de São Benedito, onde encontrei José Gabriel da Costa, meu compadre. Nessa ocasião, ele (Mestre Gabriel) disse: – ‘Compadre, agora eu sou Mestre de uma nova religião que vem nascendo em toda esta região. E Porto Velho será a sua sede, e desejo que o senhor me acompanhe’. E eu vim”.

Então, Mestre Hilton, que sempre foi um buscador das coisas espirituais, mudou os planos e, em vez de ir morar no Rio de Janeiro, ficou em Porto Velho auxiliando o Mestre Gabriel na missão. Ao seu lado, contribuiu de maneira decisiva para a criação, estruturação e organização da parte material, dando inicialmente a ideia de criarem uma associação onde as pessoas pudessem ser sócias e colaborar com o trabalho espiritual da União do Vegetal.

Dando seguimento ao desenvolvimento do trabalho material, criou o primeiro Regimento Interno. Depois, auxiliado por outras pessoas, especialmente o Mestre José Luiz de Oliveira, criou os primeiros estatutos da Associação, que foi posteriormente transformada em Centro Espírita. Também escreveu a Convicção do Mestre, artigo publicado no jornal Alto Madeira, após a prisão do Mestre Gabriel.

De acordo com o Mestre Manoel Nogueira, Mestre Hilton foi a primeira pessoa depois do Mestre Gabriel que contou a História da Hoasca, ainda no primeiro concurso para Mestres. Foi o primeiro Presidente da Associação, nomeado em 1967, designado pelo Mestre como Conselheiro Geral e primeiro Conselheiro, e um dos oito primeiros Mestres formados pelo Mestre Gabriel.

Foi ainda fundador do Núcleo Samaúma, em 10 de setembro de 1972, sendo também o primeiro Mestre formado pelo Mestre Gabriel a realizar um Preparo no sul do país (São Paulo) em 1974; primeiro Mestre formado pelo Mestre Gabriel a distribuir o Vegetal para um grupo de pessoas na capital federal (em Brasília, no dia 27 de maio de 1974); eleito novamente como Presidente do Centro em 1º de novembro de 1973; eleito Vice-Presidente do Centro em 1º de novembro de 1978, mas, em razão dos afazeres e da mudança do Presidente, Mestre Bartolomeu Pinheiro do Nascimento, para Ariquemes, ficou respondendo pela Presidência até 21 de novembro de 1979, quando ficou como Presidente em caráter definitivo, até 22 de outubro de 1980, quando, por problemas particulares, renunciou ao cargo.

Durante esse mandato, procurou padronizar o CGC para todos os Núcleos, tendo como base o CGC (Cadastro Geral de Contribuintes, atual CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) da Sede Geral (hoje Sede Histórica, Núcleo Mestre Gabriel); requereu à comarca municipal o registro de utilidade pública; procurou, junto ao governo de Rondônia, arranjar doação para a construção na quadra da casa do Mestre Representante e de um posto médico para atendimento aos sócios.

Para que seu nome seja sempre lembrado, foi criado, em 22 de abril de 1987, no município de Machadinho d’Oeste-RO, o Núcleo Mestre Hilton. Por meio dessa homenagem, torna-se para sempre viva a lembrança desse grande homem que plantou, no coração de muitas pessoas e diversos discípulos, uma semente de paz e um canto de amor, com um exemplo de zelo, trabalho e dedicação pela Obra do Mestre.

Ao Mestre Hilton, devoto da Virgem Maria, e que desencarnou às seis horas da tarde do dia 24 de junho de 1985 – e que se estivesse hoje aqui entre nós estaria inteirando 110 anos de idade –, nossa eterna gratidão pelas belas flores plantadas neste caminho de Luz, Paz e Amor.

*João Bosco de Queiroz é Mestre Representante do Núcleo Pau D’Arco, Caruaru-PE.