Mestre Pernambuco: o valor de um título

| 6 Fevereiro, 2021

João Bosco de Queiroz*

“Sou Mestre Mourão, aquele que pode ser balançado, mas não pode ser arrancado da União do Vegetal.” (Mestre Pernambuco)

Ao receber o título de Mestre entregue pelo Mestre Gabriel, Manoel Severino Felix (Mestre Pernambuco) não poderia imaginar naquela época o valor e o peso que aquela responsabilidade traria para sua vida, ainda mais vindo com o título de Mestre “Mourão”, aquele que pode ser balançado, mas não arrancado da União, nas palavras do Mestre Gabriel ao entregar-lhe a estrela. Estas palavras, juntamente com o título de Mestre Mourão, iriam ocasionar algumas provas ao longo de toda a sua vida, pelos testes que as pessoas faziam por não acreditarem nelas ou por duvidarem destas palavras, mas ao mesmo tempo o fariam encontrar uma força interior que jamais pensava possuir e uma resistência para suportar e superar os sofrimentos, obstáculos, testes, agruras e dificuldades da vida, tornando-o cada vez mais forte, resistente e mais firme ao longo de toda a sua existência.

Mourão é um esteio ou um tronco muito grosso e forte, que serve para amarrar o gado ou construir uma cerca, e geralmente para se fazer um mourão usa-se madeira da melhor qualidade, resistente e que tenha uma boa durabilidade, para que não venha a ceder com facilidade ou ser arrancada, pois servirá para dar sustentação às cercas.

Assim também era o Mestre Pernambuco. Um homem forte, resistente e de fibra. Um homem íntegro. Um Mestre Mourão. Incompreendido por muitos, ignorado por outros, esquecido por poucos, mas amado e auxiliado por aqueles que conheciam o seu jeito de ser. Com sua maneira simples de viver, serviu de sustentação e apoio para muitas pessoas, que se cercaram de suas palavras e seu exemplo para seguir neste caminho espiritual.

Apesar de ser desprovido de recursos materiais e ser analfabeto, tendo sofrido muito desde a infância, pois ao nascer perdeu a mãe durante o parto, e carregou durante muito tempo o estigma dessa culpa imputada pelo pai, jamais deixou que isso abalasse aquela vontade interior de ir buscar seu destino no Norte, no Amazonas, nas florestas e de seguir a intuição de que tinha uma missão a cumprir.

Cresceu sem o carinho da mãe e sem a companhia do pai, cedo saiu de casa e ganhou o mundo, carregando no seu sentimento cicatrizes profundas pela falta de amor maternal, ausência do aconchego familiar e a saudade do seu torrão querido, o Estado de Pernambuco, mas sabia que iria encontrar seu destino e que um grande amor o estava esperando. Por possuir uma percepção ampliada, sentia que algo de bom estava reservado para sua vida futura e sabia que aquela solidão que morava consigo iria embora quando encontrasse a companhia de um velho amigo que sonhava encontrar.

Mestre Gabriel

Homem sério, reservado, introspectivo e de poucos amigos, assim conheceu o Mestre Gabriel, a quem, pela afinidade de sentimentos, reconheceu como um pai, um Mestre e um grande e velho amigo. Nesse relacionamento entre discípulo e Mestre, trouxe muitas lições de vida e diversos exemplos de amizade, obediência e confiança, que ainda hoje servem para conhecer a dimensão do amor e da grandeza do Mestre Gabriel por seus discípulos.

Deu diversas demonstrações de obediência e lealdade ao Mestre Gabriel, quando, por exemplo, teve de voltar aos seringais para levar os documentos da União para aqueles que ficaram distribuindo o Vegetal nas florestas, nas localidades distantes de Porto Velho. Obedeceu ao pedido do Mestre Gabriel para casar e cuidar de dona Guiomar com os filhos, mesmo não tendo uma boa condição financeira para isso, pois trabalhava batendo e queimando tijolos na olaria do Mestre.

Ao repetir para as pessoas as palavras com que recebeu o título de Mestre e dizer que era um dos discípulos mais próximos do Mestre Gabriel, por tê-lo acompanhado desde o início, nos seringais, ter trabalhado na olaria, morado na casa dele e atender o pedido para cuidar de uma família, foi testado muitas e muitas vezes, balançado num tanto de ocasiões, sem jamais permitir que fosse arrancado do seu lugar de Mestre ou da União do Vegetal, afinal é como diz o Pequeno Príncipe numa de suas reflexões: “O verdadeiro homem mede a sua força quando se defronta com o obstáculo”.

Mesmo com todas as dificuldades que enfrentou, com todas as situações e os testes que teve de passar, nunca desacreditou do Mestre Gabriel, nunca se afastou do caminho, nunca deixou de trabalhar pelo engrandecimento da União, assim como nunca se negou a levar sua palavra aos lugares onde era chamado. Chegou a se desesperar quando o Mestre Gabriel fez a passagem, mas dizia que encontrou um ombro amigo para chorar, tendo sido amparado e confortado pelo Mestre Monteiro, que além disso lembrou a ele que o Mestre Gabriel está sempre presente e nunca desampara seus discípulos.

Seu valor, assim como a beleza e as virtudes que possuía no seu interior, não estavam à mostra numa oratória bonita ou na estrela bordada na sua camisa, mas sim na singeleza, na simplicidade, no significado e na essência desse título que ganhou ao receber a responsabilidade de ser um dos Mestres formados pelo Mestre Gabriel e que guardava com amor e respeito no seu coração e mantinha sempre presente na sua consciência.

Escolinha

Era comum vê-lo todos os dias, no fim da tarde, no Núcleo Mestre Gabriel. Ali, sentado à mesa, no local hoje denominado “Escolinha do Mestre Pernambuco”, ficava a prosear com as pessoas que queriam ouvi-lo, contando histórias de sua vida, vivências nas florestas, convivência com o Mestre, lembranças dos ensinos e transmitindo esperança na construção de um mundo de Paz por intermédio da União.

Lembrava rindo das dificuldades e do sofrimento pelos quais passou quando teve de buscar mensagens de Mariri na floresta, no Jaru (RO) e em outras localidades a mando do Mestre Gabriel, pois sentia verdadeiro prazer em servir e ser um mensageiro dele.

Mestre Pernambuco soube honrar em vida o título de Mestre que recebeu e, após partir deste plano rumo ao encontro do Mestre no plano espiritual, deixou uma vida repleta de exemplos de trabalho, amizade, fidelidade, lealdade e amor a esta abençoada religião, e a certeza de que suas raízes permanecem fincadas como um grande “Mourão” neste solo sagrado onde vem sendo construído o Templo Universal da Luz, da Paz e do Amor.

*João Bosco de Queiroz é Mestre Assistente Central da 10ª Região da UDV. O texto é uma homenagem da Monitoria do Departamento de Memória e Comunicação (DMC) do Núcleo Pau D’Arco (Caruaru-PE), ao único Mestre formado pelo Mestre Gabriel nascido no Estado de Pernambuco, que compõe a 10ª Região do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Na data de hoje, Mestre Pernambuco faria 98 anos.