Mestre Florêncio: sorriso travesso, olhar de menino

Edison Saraiva Neves*

| 14 abril 2018

Mestre Florêncio, em 1993 – Campinas (SP) | Foto: Luiz Trazzi (DMC/Núcleo Convite aos Encantos)

Florêncio Siqueira de Carvalho (que hoje inteiraria 86 anos de idade) misturava no nome e na vida singular muitas flores, um Si em muitos e um querer de arvore frondosa, amparo de numerosos amigos. Misteriosamente, tinha um tanto disso tudo aquele amigo meu e de tantos. Comecei a conhecê-lo em 1974, dezembro, Sede Geral, Porto Velho, Rondônia. Não o tinha reparado no barracão de madeira onde hoje está a Casa de Preparo do Núcleo Mestre Gabriel. Também quase não conseguia sustentar a cabeça. Burracheira em ondas e um eu, o meu, à deriva.

Foi aí que ouvi pela primeira vez o Sabiá cantar. Era a chamada da Barquinha que me colheu e deslocou-me para um bem além dali. Era o Mestre Florêncio chamando e eu seguindo. Desse primeiro seguiram-se muitos encontros.

Era encontrá-lo e conversávamos até o nascer do dia. Fonte de anedotas, de causos, de ditos, era a espontaneidade que se fez carne e habitou entre nós. Homem de vida rica, superou as maiores dificuldades que um ser humano pode enfrentar. Foi escravo em seringal. Viveu com índios, enfrentou onça, morou só ele e Deus por meses em um tapiri no meio da mata.

Tuxaua sem limite para o corte, caboclo com espírito de cientista, Carvalho, como lhe chamava Sueli, a cabocla amada, viveu muitas vidas em uma. Quando foi, com 80 anos, deixou conosco a risada expressiva, o sorriso travesso, o olhar de menino, muita saudade e o exemplo de um bondoso Coração. Florêncio conduzia no peito o Sertão.

Até um dia, Sabiá!


*Edison Saraiva Neves é Mestre Assistente Geral do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. 

Mestre Edison Saraiva Neves dedica a Mestre Florêncio a música Incelença para um Poeta Morto, interpretada por Elomar Figueira Mello. Clique aqui para acessá-la.