Mestre Bacurau e a festa no céu
| 1º Maio, 2022
Tito Liberato*
Espalhados pelo Brasil e alcançando toda a extensão das Américas, vive passeando pelo céu um passarinho miúdo de cor marrom-acinzentada, com um canto nostálgico e bonito, chamado bacurau. Seu canto é curto, de um agudo afinado, com um toque de tristeza e que costuma despertar em quem ouve uma inexplicável saudade. Por isso, entre os diversos nomes que ganhou, é também conhecido como mede-léguas e amanhã-eu-vou.
Os passarinhos ocupam um lugar especial na natureza e na imaginação humana. Deleitam com seu canto e colorem o céu. Para quem se dispõe a olhar para o alto, encantam. É a criatura que a natureza tem só para ela, e cantam para Deus. Nós, cá embaixo, escutamos e temos o direito de apreciar essa festa no céu.
É por isso que Guimarães Rosa escreveu: “Os passarinhos são assim, de propósito: bonitos, não sendo da gente”.
A União do Vegetal também tem seu passarinho. O nome dele é Raimundo Ribeiro das Chagas, nascido na floresta como haveria de sê-lo, na cidade de Canutama/AM, em 1º de maio de 1943. Mestre Bacurau que hoje estaria fazendo 79 anos.
Encontro com Mestre Gabriel
Como a ave que lhe deu o nome, era miudinho e bom de canto. Trouxe chamadas de rara melodia e com notável aptidão para encantar quem as ouve. Como todo passarinho que achega-se e logo voa, encontrou seu Mestre, José Gabriel da Costa, antes mesmo de beber o Vegetal.
Certo dia, quando voltou para seu ninho que podemos chamar de casa, encontrou escrito numa pedra um recado do Mestre Gabriel, dizendo “Bacurau, hoje tem mariri”. Era o alpiste lançado na rocha e o passarinho comeu.
Pouco tempo depois, o Mestre Gabriel, que ele costumava chamar de “meu Mestre de Ensino”, deu licença para ele também ser um Mestre, chegando a ficar por quatro anos atendendo os discípulos do Mestre Gabriel numa comunidade na beira do Rio Mamo.
Era Mestre, mas não tinha uma estrela de pano. Sua estrela era o próprio Mestre Gabriel.
Um tempo depois, o passarinho voou mais uma vez. Por volta de 1988, resolver mudar-se para Maués/AM. Desde então, não se teve mais notícias, ficando assim por quase 20 anos, até ser encontrado e resgatado por um irmão, por volta de 2008.
Voltou para o ninho, ou melhor, para o ninhão (a União), já com aproximadamente 65 anos.
O derradeiro canto
A história cristã retrata algumas pessoas queridas pelas aves do céu. Há relatos de um frade italiano chamado Liberato que tinha especial dom de contemplação da natureza e os pássaros costumavam acompanhá-lo, pousando nos seus braços, cabeça e ombros, e cantando alegremente.
Outra narrativa conhecida é de São Francisco que conta-se gozar de especial apreço dos passarinhos, chegando a fazer silenciar um bando de andorinhas enquanto fazia uma pregação. Diz-se que chegou a fazer um sermão para as aves conclamando que fossem sempre gratas à Deus porque não fiam e nem tecem, tampouco tem celeiros, mas o Criador lhes veste lindamente e não lhes deixa faltar alimento e, por isso, devem sempre cantar louvores de gratidão.
Mestre Bacurau também teceu suas loas de louvores a seu Mestre de Ensino e ao Criador. Já com a idade, aos 77 anos, cansado de voar por este chão, bateu asas e ganhou a amplidão. Fez a passagem em 5 de junho de 2020.
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*Tito Liberato é integrante do Corpo do Conselho e Monitor do Departamento de Memória e Comunicação (DMC) da Sede Geral da UDV (Brasília-DF).
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| Veja também: Bacurau, a ave do seringal.