O encantar se renova

Por:  Edson Lodi

Ao descer do avião, de imediato o cheiro de chuva me faz bem. É sempre bom retornar a Rio Branco, ainda mais com o gostinho de infância e de saúde. De carro até o Seringal Novo Encanto é tão rápido que nem tive tempo de colocar as conversas em dia. No entanto, foi tempo suficiente para verificar que a floresta está cada vez mais longe. O verdejar das palmeiras é uma longa visão que se apresenta distante, acima dos dorsos brancos de bois que mugem a tristeza de terem suas vidas abreviadas para saciar a fome humana. Aqui não imagino o meu viver.

Para chegar ao Seringal, após estacionarmos o carro, caminhamos por alguns minutos junto ao rio de águas barrentas e margens altas descascadas, escorridas pelas chuvas e pelos desmatamentos. Houve um tempo em que somente era possível chegar-se à sede do Seringal andando por longas horas pela floresta ou navegando pelo rio. Meu olhar saudoso recorda canoas e paisagens. Águas passadas, mas sempre presentes.

O jeito caboclo, o sorriso manso, as palavras simples e úteis fazem morada nos Mestres João e Sebastião e em suas esposas, Conselheiras Antonilda e Francisca; e também em outros irmãos que se preparam para nos receber. Entre afetos, somos agasalhados e alimentados. Outros amigos se apresentam vindo de lugares distantes. Ternamente os corações se aproximam.

O Seringal Novo Encanto oferece sua natureza aos expedicionários que, pela 12a vez, se encontram no local. Na oportunidade é também realizado o primeiro Encontro de Coordenadores Regionais da Associação de Desenvolvimento Ecológico Novo Encanto, com a presença do Presidente José Godoy e do Mestre Carlos Augusto, respectivamente Coordenador Regional e Gerente do Seringal, entre outros dirigentes e expedicionários. A descentralização da gestão do Seringal e a capacitação dos responsáveis para alocar recursos nas áreas públicas ou privadas são os principais desafios a serem vencidos.

Entardece. Sento-me em um tosco banco de madeira para avistar o rio a correr lá embaixo. Sinto a brisa ligeira e observo que a luz filtrada pelas folhas faz brilhar a floresta na outra margem do rio.

O brilho manso do sol poente matiza tudo em tantos verdes… Imagino a vida que por ali viceja em diversas formas, cores e sons. Somente o tempo é comum a todos os seres, de todos os reinos — animal, vegetal ou mineral. Todos sofrem sua ação indefinidamente. O tempo está em todas as coisas e a vida se reproduz pela água. Por ela, todos vivemos. O rio corre abaixo…

Medito e sonho alto – Quem sonha baixo voa como as rolinhas, me dizia meu avô à beira do rio S. Francisco. Quem sabe um dia poderemos fazer uma trilha de dois ou três dias, repousando em colocações preparadas para receber os caianinhos, nos moldes como são organizadas as caminhadas na Chapada Diamantina. De forma tal que esse desafio se acenda no imaginário do nosso povo. Um dia, poder ouvir um caminhante dizer com entusiasmo: eu fiz a trilha da Novo Encanto.
No dia seguinte, após breve caminhada, me encontro em frente a um cipó apuí, transformado em gigantesca árvore, antiga e majestosa. Há quanto tempo ele ocupa esse espaço? Quantas noites e dias foram necessários para que crescesse firme, forte e silenciosamente? Ele, que iniciou sua vida por um pequeno fio que beijou a terra e nela se alimentou.

Qual a árvore que o hospedou e, ante sua força e magnetismo, perdeu o vigor? Secou e desapareceu deixando espaços vazios, por onde o apuí trançou nova vida? Tenho mais perguntas que respostas. Estarei me tornando mais sábio?

Na Sede do Seringal conversamos. A noite chega devagar e alastra o silêncio prateado das estrelas e da lua por sobre o rio. A floresta, as águas, os bichos. Os rostos amigos, o céu. Silentes paisagens a nos convidar para ouvir o coração. Cantam os bichos da noite, mas é silêncio. Rumorejam as águas do rio e, entretanto, ainda é silêncio.

Tudo aflora em silêncio, cujo manto se estende, amplia-se rumo à imensidão. Imerso nos sons de Deus, silencio minhas dores e aflições. A paz é uma presença.
Dias e noites em companhia da natureza e de amigos. Como é bom estar aqui guardando, gerando novos sonhos. Seguindo as pegadas de velhos seringueiros que desde o ano de 1991 andaram por aqui e criaram o Seringal Novo Encanto.

Nos reunimos em luz, paz e amor. Sentimos a presença e os conselhos da misteriosa rosa e da Nossa Senhora da Conceição, a sempre Virgem Maria. Percebemos, ainda, as mãos serenas e firmes do nosso Mestre a nos guiar por entre os caminhos de Deus e de sua natureza. Por sua Graça e pelo trabalho de tantos amigos, entre encantos me renovei.

Brasília. Lua Crescente, junho 2013