UDV participa da 3ª Conferência Indígena da Ayahuasca
Edson Lodi*
| 4 Novembro, 2019
Em plena lua cheia de outubro de 2019, no amplo terreiro do Instituto Yorenka Tasorentsi, emoldurados por oito frondosas samaúmas, os povos indígenas do Alto Juruá – Ashaninka, Huni Kuin, Jaminawa, Jaminawa-arara, Kuntanawa, Nawa, Nokekoi, Nukini, Puyanawa, Shamenawa, Yawanawa e Shawãdawa – cantam à luz da Ayahuasca. Celebram com devoção e alegria os resultados da 3a Conferência Indígena da Ayahuasca, realizada entre os dias 10 e 13 de outubro, sob a coordenação do Instituto e da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ).
O Centro Espírita Beneficente União do Vegetal foi uma das raras instituições não-indígenas convidadas a participar, sendo o autor deste artigo escolhido para representá-la. Destaco a presença do juiz federal Naiber Pontes, integrante do Corpo do Conselho e membro da Comissão Internacional do Centro.
Logo de início, me chamou a atenção a excelente estrutura construída, próxima à cidade de Marechal Thaumaturgo, no Acre, em apenas três meses, para atender ao público, estimado em mais de 200 pessoas.
Benki Piyanko Ashaninka, Presidente Emérito do Instituo Yorenka Tasorentsi, na abertura da Conferência, assim se manifestou: “este Centro é chamado de Sabedoria do Deus da Criação da terra, para que a gente possa trabalhar a energia da ligação do homem com a terra, do homem com a floresta, do homem com o espírito das águas. Meu desejo é construir cem açudes para criar peixes, plantar toda a alimentação para o meu povo e de outros povos que necessitarem, ter todas as espécies de animais, cercar toda a extensa área e desenvolver as políticas de consciências”.
Concluindo, Benki sensibiliza a todos, pedindo que no “coração de cada um possa mostrar aquilo que tem de melhor pra gente trabalhar juntos, deixar uma marca de seus conhecimentos, de seus ensinamentos; que cada um possa ser contemplado com o que deseja levar. O nosso desejo é mostrar o que é esta bebida sagrada (Ayahuasca), nossas responsabilidades com estas plantas sagradas e com a nossa medicina, que são utilizadas pelos povos indígenas e por muitos não-indígenas pelo mundo. Que Pawa abençoe a todos”.
Participação da UDV
Antes de sua palestra, que teve o título “A internacionalização da Ayahuasca, os saberes indígenas e direitos humanos universais”, Naiber Pontes apresentou o vídeo “A trajetória da UDV nas terras do Yudjá”.
Dentre os principais pontos abordados por Naiber, vale destacar os seguintes: a importância de se construirem relacionamentos entre povos indígenas e não-indígenas, unindo forças para enfrentar e vencer dificuldades e pautas comuns; a importância do reconhecimento e respeito às autoridades, com base na palavra de Mestre Gabriel, trazida quando da exibição do vídeo a respeito dos Yudjás; a importância de esclarecer as autoridades a respeito da Ayahuasca; a necessidade de ter uma organização, de se trabalhar dentro de uma ordem, com regras, tendo sempre alguém responsável, com conhecimento, ao se administrar uma medicina sagrada, como forma de se conseguir o reconhecimento e respeito das autoridades.
Outros pontos importantes abordados por Naiber: a criação de instituição indígena, que possa representar os povos indígenas comprometidos com o uso responsável da Ayahuasca perante os governos e instituições; a não comercialização da Ayahuasca, reconhecida como manifestação espiritual sagrada; reflexão sobre o perigo de se misturar a Ayahuasca com outras substâncias, sobretudo a cannabis, devido ao perigo para a saúde e o risco que representa para o reconhecimento legal do uso das medicinas sagradas; auto-regulamentação pelos povos indígenas, por meio de normas de conduta que possam ser seguidas por aqueles que querem ter o reconhecimento de que trabalham de uma maneira séria.
Carta
A organização do evento divulgou, em 30 de outubro, uma carta oficial, retratando os posicionamentos adotados pelas lideranças indígenas na Conferência, dentre os quais destacamos os seguintes:
I – a responsabilidade das lideranças espirituais sobre o controle do uso correto das medicinas indígenas dentro de suas comunidades e na orientação de representantes do seu povo fora das aldeias;
II – reconhecimento da necessidade de regulamentação do uso das medicinas tradicionais indígenas, em um acordo interno de cada povo indígena, com legitimidade para estabelecer as próprias regras e institucionalizá-las;
III – a importância do trabalho de regeneração da mata, reflorestamento, manejo ecológico de animais e de áreas de cultivo de plantas sagradas, destacando o papel dos povos indígenas na conservação da natureza;
IV – o reconhecimento da 3ª Conferência Indígena da Ayahuasca como um processo de preparação para relacionamentos com aqueles que não conhecem ou que procuram a ayahuasca, com atenção para as diversas escalas das parcerias necessárias para isso, além da importância de se investir em ações de formação/conscientização de autoridades.
Emoção
Um momento de grande emoção aconteceu com a assinatura do requerimento do registro do Instituto Yorenka, na presença do Cacique Antonio Piyanko Ashaninka, de D. Pity, de seus filhos e dos representantes das etnias presentes, inclusive dos povos Shipibo-Conibo, do Peru, Tubú, da Amazônia Colombiana, e Arhuaco, da Serra Nevada de Santa Marta, na Colômbia.
Em sua oratória, Benki, o idealizador do projeto, afirma: “Só mostrando o que a gente sonha em realidade é que faremos uma grande diferença. Este espaço não é meu. Quem vai ser dono deste espaço é todo aquele que botar a mão. Quem trocar seu conhecimento com a gente vai levar daqui uma esperança de criar seu território em que qualquer lugar do mundo, porque a gente vai trabalhar sempre com a consciência e o desejo de fazer sempre o melhor”.
*Edson Lodi é integrante do Quadro de Mestres e do Conselho da Representação Geral do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.
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É com alegria que recebo esta notícia tão bonita. Me sinto afortunada por saber que existem pessoas no universo com esta força positiva de fazer sempre o melhor, pensando em todos os seres humanos e na natureza; unindo os corações em prol de um projeto comum em beneficio de todo universo, contemplando através de uma consciência clara o doar-se por uma troca de experiências. Pessoas transformando em ações e prática, exemplo que a união deste universo que nos une nos abre uma porta infinita de possibilidades, onde todos que queremos, podemos deixar nuestras gotitas de desejos transformadores para ampliar nosso Amor por este paraíso que nos ensina cada dia que juntos lograremos um objetivo em nome do fraterno Amor. Grata a todos os señores por este gesto tão lindo.
Que belo trabalho!
Relembrando antepassados, importantes passos no rumo da universalização da Paz.
Gratidão amigos.
Magnífico trabalho desenvolvido por autoridades desta sagrada ordem, estreitando os laços de amizades com as etnias existentes na região com fraternidade e amor ao próximo.
Que bom ler a respeito desse trabalho de união fraterna entre hoasqueiros.
Parabéns pelo belo trabalho dos povos indígenas , e da participação da União neste importante trabalho de resgate de suas origens e valores, e aos representantes da União, M. Edson Lody e Dr. Naiber.
Marco intercultural trazendo a importância da ayahuasca ligada a criação de vínculos fraternos. Ação positiva no sentido da união de esforços em busca da sensibilização das autoridades além fronteiras. Parabéns aos organizadores pela iniciativa !
Grato pelo belo trabalho de continuar fazendo a Paz no Mundo. Os povos irmãos são os guardiões naturais da floresta e tudo que nela habita. Sabedoria da UDV estar ligada a eles.
Emociona-me saber dessa boa, importante iniciativa dos povos indígenas, nossos professores de ética junto à Natureza. Alegra-me um tanto mais a presença da minha religião nesse congraçamento. Grato ao senhor, Edson Lodi, bem como ao Dr. Naiber, por representar-nos!
Que merecimento o nosso (UDV) de poder participar desse encontro através do M. Edson Lodi. Me chamou atenção a parte da fala que no “coração de cada um possa mostrar aquilo que a gente tem de melhor para trabalhar juntos…”
Estou a refletir e, no meu coração, o que tenho de melhor para trabalhar pela obra do nosso guia espiritual?
Muito bom. Próximo encontro convidar liderança Yudja
O conteúdo integral da Carta da 3ª Conferência Indígena da Ayahuasca pode ser consultado no seguinte endereço: http://cronicasindigenistas.blogspot.com/2019/10/carta-aberta-das-organizacoes-3a.html?m=1
Externo minha alegria e gratidão em poder falar as lideranças indígenas que participaram da 3ª Conferência e convido a todos a conhecer mais o trabalho dos povos indígenas, porque juntos, povos indígenas e não índios, que tem no coração a vontade de construir algo maior pra humanidade, de crescimento espiritual, podem chegar a lugares melhores e ajudar mais pessoas a também chegar nesses lugares.