UDV colabora na revisão de verbetes de dicionários relativos ao Chá Hoasca

| 6 Novembro, 2020

Flor do Mariri | Foto: DMC/Sede Geral.

A UDV propôs a inclusão e retificação de termos comumente utilizados na cultura hoasqueira, como Mariri, Chacrona, Hoasca, hoasqueiro e enteógeno, além de União do Vegetal e Mestre Gabriel, em dicionários tradicionais e especializados. No artigo abaixo, de autoria de André Fagundes*, é explicado por que e como esse trabalho foi realizado.

Ciente de que o uso religioso do Chá Hoasca é inofensivo à saúde, o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal vem, desde o seu princípio, incentivando e colaborando com o desenvolvimento de pesquisas científicas a respeito do Vegetal.

Exemplo disso pode ser observado na conduta pioneira da Diretoria do Centro que, em 1977, em resposta a uma reportagem do jornal Alto Madeira (Porto Velho-RO), publicou no jornal O Guaporé um “Convite à Comunidade Científica”, abrindo as portas para que pesquisas multidisciplinares fossem realizadas, não somente quanto aos aspectos químicos e psíquicos, mas também pesquisas clínicas e sociológicas a respeito das potencialidades do Chá Hoasca com relação ao ser humano.

Das pesquisas que se seguiram, destacam-se o Projeto Hoasca e Hoasca na Adolescência que, ao serem conduzidas por cientistas de envergadura internacional, receberam  amplo apoio da direção do Centro, como relata o neurocientista Jace Callaway, M.D., membro do Departamento de Farmacologia e Toxicologia da Universidade de Kupio, Finlândia:

“Como cientistas, ficamos completamente estupefatos quando fomos convidados a penetrar no centro dos mistérios de um grupo religioso. Era incomum imaginar que uma religião poderia ser tão segura a ponto de permitir que um grupo de cientistas pudesse entrar para fazer o que lhes fosse conveniente fazer e, em seguida, sair sem quaisquer condições prévias”.

Outra forma de colaboração com as investigações científicas deu-se com a criação do site UDV-CIÊNCIA, que propicia um diálogo mais direto e ágil com pesquisadores de todo o mundo, pertencentes ou não à UDV, além de reunir diversos estudos farmacológicos, antropológicos, jurídicos, sociológicos, bioquímicos, médicos, botânicos, agrônomicos, entre outros.

Dentro desse espírito de cooperação com a comunidade acadêmica e diante do crescente interesse pelo estudo do Chá Hoasca, de sua composição e seus efeitos, recentemente se propôs para diversas editoras a entrada e a revisão de alguns verbetes que constam em inúmeros dicionários. Explica-se: sendo os dicionários uma importante fonte de informação para pesquisadores e para a população interessada, revela-se fundamental trazer mais esclarecimentos e sanar equívocos e imprecisões que constavam nas definições de alguns termos.

De fato, não obstante as pesquisas científicas já tenham comprovado que o Chá Hoasca “não causa qualquer padrão de dependência, abuso, overdose ou abstinência”[1], o Oxford Essential Dictionary of Foreign in English, por exemplo, conceituou ayahuasca como sendo uma “droga alucinógena”.

No entanto, além de o Chá Hoasca não possuir nenhum elemento que o caracterize como droga (tais como abstinência, tolerância, comportamento de abuso e perda social)[2], a bebida psicoativa utilizada como sacramento religioso não causa propriamente alucinações – (do latim hallucinatio = erro, engano), no sentido de um “erro sensorial no qual o indivíduo percebe ou sente um objeto ou um estímulo, sem que ele exista”[3].

Com efeito, estudos científicos especializados têm identificado que tal terminologia é imprecisa e limitada, por não corresponder verdadeiramente à rica experiência proporcionada pela ingestão do Chá Hoasca, que produz efeitos sobre processos neurais, sensoriais, emocionais e cognitivos. Assim, aquela nomenclatura vem sendo superada por investigações mais recentes, que têm vindo a classificar o Chá Hoasca como um psicointegrador ou enteógeno.

Efetivamente, para pesquisas com abordagens clínicas e médico-científicas, em que se busca investigar as diversas características dos seus efeitos (afetivas, cognitivas, psicotomiméticas e psicoterapêuticas)[4], cunhou-se o termo psicointegrador, que expressa com maior exatidão o poder do Chá Hoasca de “integração e rearranjo simbólico de conteúdos no sistema consciente”, com a promoção de “mudanças e transformações positivas do comportamento”[5]. Além disso, o termo designa a capacidade que o estado ampliado de consciência tem de promover a emergência de conteúdos inconscientes para o campo da consciência, podendo ser reintegrados ao self (aquilo que define a pessoa na sua individualidade e subjetividade) “com nova reconfiguração, permitindo assim promover transformações no sistema de conceitos e no comportamento”[6].

Em contrapartida, quando a investigação científica se dá pela perspectiva ritualística, místico-espiritual ou religiosa, o termo enteógeno tem se mostrado mais adequado, na medida em que exprime a ideia de uma vivência transcendental capaz de proporcionar um contato com a divindade, o que pode ser explicado por sua etimologia: do grego entheogen, que significa, literalmente, “manifestação interior do divino”, ou “tornando-se divino por dentro”. Entheos significa “Deus (theos) dentro” ou “inspirado por Deus” e geno indica “geração, produção de algo”.

Pela relevância e seriedade do trabalho, as propostas de definições passaram por criteriosas revisões de especialistas e autoridades do Centro, visando aprimorar a conceituação de algumas palavras que circulam o mundo da Hoasca, a saber: Mariri, Chacrona, Hoasca, hoasqueiro e enteógeno, além de União do Vegetal e Mestre Gabriel (sendo estas duas últimas encaminhadas a dicionários especializados em termos religiosos).

Dada a necessidade de dar maior alcance para tais definições, promoveu-se um extenso trabalho por meio de equipes de tradução para outros idiomas, tais como inglês, italiano, francês, espanhol, galego, alemão e holandês.

Até o momento, foram propostas mais de 125 entradas e retificações em 23 dicionários, tanto tradicionais quanto dicionários especializados, valendo registrar a aceitação de alguns termos por parte dos conceituados dicionários Merriam-Webster Inc. e Collins Dictionary, além da popular fonte de consulta on-line Reverso Dictionary.

[1]GROB, Charles et alFarmacologia Humana da Hoasca – Estudos Clínicos. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2020.

[2]SANTOS, Rafael G. dos. Ayahuasca: Neuroquímica e Farmacologia. SMAD 2007, v. 3, n. 1, p. 6-7. Artigo 6. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2018.

[3]ALUCINAÇÃO. In: COSTA, Manuel Freitas E. Dicionário de Termos Médicos. Porto: Porto Editora, 2014. p. 45.

[4]ESCOBAR, José Arturo Costa; ROAZZ, Antonio. Panorama Contemporâneo do Uso Terapêutico de Substâncias Psicodélicas: Ayahuasca e Psilocibina. Revista Neurobiologia, v. 73, n. 3, p. 159-172, jul./set. 2010.

[5]ESCOBAR, José Arturo Costa. Ayahuasca e Saúde: Efeitos de uma Bebida Sacramental Psicoativa na Saúde Mental de Religiosos Ayahuasqueiros. 2012. 260 f. Tese apresentada à Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco para obtenção do título de doutor em Psicologia Cognitiva. Recife, 2012. p. 44.

[6]Idem, ibid., p. 44-45.

*André Fagundes é integrante do Corpo Instrutivo do Núcleo São Cosmo e São Damião, em Curitiba-PR, doutorando em Direito Público e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, Portugal.

11 respostas
  1. Maria Luci Dantas Novais
    Maria Luci Dantas Novais says:

    Excelente trabalho!!
    É a palavra do Mestre Gabriel cada vez mais sendo validada na sociedade, no campo científico.
    Não me surpreendo com esses avanços, mas, me sinto maravilhada com com todos eles.

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  2. Paulo Gomes de Novaes
    Paulo Gomes de Novaes says:

    Parabéns ao André Fagundes e as pessoas do blog que nos oportunizam tomar conhecimento dessa peleja de tornar a UDV e sua cultura cada vez mais clara pra Humanidade. Fico bem contente em especial pelos trabalhos com vistas à afastar o conceito de “alucinógeno” para ENTEÓGENO. Fraterno abraço

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  3. Frederico Korndorfer Neto
    Frederico Korndorfer Neto says:

    Importante trabalho de esclarecimento da comunidade científica, em especial a filologia. As conceituações e definições devem imprimir com exatidão o objeto de forma a dar sua real dimensão!! Parabéns aos envolvidos nessa tarefa nobre! Abs

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  4. Jose Mauricio de Azevedo Borges
    Jose Mauricio de Azevedo Borges says:

    Interessante o andamento das revelações da verdade. Vejo também que o termo ayahuasca é impróprio uma vez que o nome dado à árvore é Hoasca.

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  5. Bruno B. Campos
    Bruno B. Campos says:

    Parabéns, André Fagundes, pelo excelente trabalho desenvolvido. Na minha opinião este trabalho tem de ser divulgado na comunidade científica para esclarecimento de alguns termos que erroneamente são utilizados na escrita de alguns artigos científicos. Abraço

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  6. Paulo Roberto Busato
    Paulo Roberto Busato says:

    Parabéns, André. São pequenos os detalhes, mas que refletirão exponencialmente nas futuras publicações relativas a instituição e facilitará sobremaneira a interpretação das anteriores.
    Contamos com seu conhecimento e dedicação.
    Abraços

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  7. Maria Carol
    Maria Carol says:

    Um trabalho de bem importância. Pois sabemos que tudo nos vem pela palavra. É uma alegria observar esses avanços pra mim que tenho a etimologia como um hobbie e como um grande apreço. Sempre podemos recorrer à uma palavra pra nos esclarecer, porque só pensamos pelas palavras! Parabéns aos envolvidos! Lindo trabalho s2 bem grata!

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