Roberto Evangelista, um homem cordial

| 15 Fevereiro, 2024

Edson Lodi*

Mestre Roberto Evangelista e família: zelo e amor de geração em geração | Acervo pessoal.

O Mestre Roberto Evangelista nasceu no dia 10 de fevereiro de 1946 e neste ano completaria 78 anos. Em sua homenagem, a equipe do Blog da UDV rememora um texto do Mestre Edson Lodi para o seu aniversário de 70 anos.

Se me fosse dada apenas uma palavra para descrever o Mestre Roberto Evangelista, sem dúvida alguma escolheria a cordialidade. E quem poderá dizer que não? Cordialidade vem do latim cor, cordis: coração. Ressalto que, em tempos imemoriais, o coração era tido como a fonte do conhecimento no corpo humano.

A palavra cordial, e outras, vem da mesma raiz, e também diz respeito ao coração, ao afeto. E mais, ainda que este sentido seja raramente utilizado, significa alimento ou bebida para estimular o coração. Ou seja, estamos falando de sentimentos.

Ficou casado com Ana Evangelista por 52 anos – quando em 2019 fez a passagem. Eram o caule e a flor. Conselheira Ana o acompanhou tão próximo, a ponto de as histórias dos dois na União do Vegetal se entrelaçarem. O casal teve cinco filhos: Marlo, Sâmara, Sarah, Luina e Luna. O mais velho, Marlo, nasceu no Hospital Beneficente Portuguesa, em um andar acima de onde o Mestre Gabriel encontrava-se internado.

– A criança nasceu.

Mestre Gabriel responde, perguntando e, ao mesmo tempo, afirmando:

– É homem.

Poeta maior, artista plástico consagrado internacionalmente, publicitário e escritor. Dons que se completam harmoniosamente em seu coração. Entretanto, sua devoção ao Mestre Gabriel se sobressaia, e forma indelével marco na história recente da União do Vegetal.

Antes mesmo de conhecer Mestre Gabriel, e tendo bebido o Vegetal poucas vezes, Roberto Evangelista tem uma experiência marcante e emblemática dentro dos fluidos do Chá Hoasca. Após ter presenciado maravilhas sob o efeito do Vegetal, começa a sentir choques intensos em sua cabeça. Naqueles momentos, ficava atordoado e sem direção.

Certo dia, em estado de elevada concentração mental, tem o mérito de se ver projetado para dentro de seu cérebro, aonde adentra pela parte de trás de sua cabeça. E navega com consciência clara, em um mar de sangue, pelo sistema nervoso central. Movimenta-se por entre as células, pelos hemisférios cerebrais, até chegar, extasiado e pleno de luz, à sua glândula pineal – o ponto em que o corpo se une ao espírito e transcende todas as dimensões? O terceiro olho por onde se reencontra a Deus?

  Chove a cântaros
  Alguém é levado
  para dentro de si**

Por um mistério divino, gira em torno da glândula pineal – a Casa do Tempo –, que se lhe apresenta, tal qual um chafariz iluminado, imerso em líquidos. Maravilhas, jardim da recordação. Uma voz se faz ouvir em seu interior mais íntimo:

– É aqui que tu moras.

Roberto Evangelista, seguindo sua viagem interna, em si mesmo vê o Vegetal limpando os terminais dos neurônios que estavam escurecidos por substâncias usadas nos tempos de inconsciência. Essa limpeza é que provocava os choques que sentia em sua cabeça.

Pouco tempo depois, ainda em 1971, Mestre Florêncio apresenta o casal Roberto e Ana Evangelista ao Mestre Gabriel em sua casa, onde ele sempre se hospedava quando vinha a Manaus.

– O Roberto é estudante, universitário.

– Muito bom, ele é estudante. O conhecimento material é uma boa base para o conhecimento espiritual, responde Mestre Gabriel.

Ao narrar esse acontecimento, lembro-me do primeiro chamado que levou Roberto Evangelista a buscar pelo Chá. Leitor assíduo, ainda hoje mantém esse hábito, ele recebeu o sinal que o levaria ao mundo da Hoasca pelas páginas de um livro: O Despertar dos Mágicos. Coincidência?

O olhar penetrante e a simplicidade de Mestre Gabriel tocam o coração de Roberto Evangelista e nasce um singelo e grande amor – o anzol e o peixe. Nas águas da memória, o pescador movimenta sua rede.

O discípulo não perde uma oportunidade para ficar junto ao seu Guia Espiritual. Assim, Roberto Evangelista é testemunha de algumas palavras e atitudes de Mestre Gabriel que ficam marcadas na União do Vegetal, como a afirmação de que a partir de Manaus a União do Vegetal iria circular o mundo; o reconhecimento ao lugar do Mestre Representante, a Sessão em que Mestre Gabriel gravou o Rosário de Chamadas e outros momentos, que ficaram entesourados em seu coração.

Mestre Roberto Evangelista, um homem cordial | DMD/DG.

A Fé

A casa em que Mestre Florêncio e Sueli moravam torna-se novamente o fecundo canteiro em que Mestre Gabriel, sempre a ensinar, lança mais uma de suas sementes, que felizmente encontrou espaço por onde germinar. Perguntaram a ele o que era a fé.

– A fé é um degrau. É como o degrau de uma escada que conduz ao conhecimento. É muito importante se ter fé. As pessoas, quando têm fé de chegar a algum lugar ou receber alguma coisa, quando chegam naquele lugar ou recebem o que queriam não precisam mais da fé.

Mas o Mestre, em sua generosidade infinita, deseja que seus discípulos gravem em recordação o que ele estava ensinando, e continua seu ensinamento:

– A fé funciona assim:

Então, retira-se sozinho da sala, sai para a rua e fecha a porta. De fora da casa, diz em voz alta:

– Eu tenho fé que os senhores, vocês estão aí, dentro da sala.

Retorna novamente para dentro da casa, reencontra os discípulos, entre eles o Mestre Roberto Evangelista, e afirma:

– Agora eu não preciso mais da fé, pois estou vendo os senhores aqui. Tenho certeza disto.

São tantas histórias. O coração amigo de Mestre Roberto Evangelista era permeado de vivências e saudades. Ele estava sempre pronto a recordar e a ensinar o que aprendeu com seu Guia Espiritual, a corda de seu coração.

Um homem cordial, feito o Evangelista, também chamado Roberto, trazia consigo a chama da recordação. Esta palavra – feito brasas, aparentemente cobertas pelas cinzas – vem da mesma fonte, do latim cor. Recordar nada mais é do que o brilho de trazer de novo ao coração aquilo que o tocou; tal o sereno da manhã ao beijar o lago profundo e silencioso do aprender.

Roberto Evangelista raramente falava de si. Em seus afetos e recordações ecoavam mais alto a música interior onde – feito peixes prateados pelo luar, à flor das mansas águas de um igarapé – emergiam as recordações de uma vida plena de encantamentos e vívidos aprendizados junto a Mestre Gabriel. O que me faz lembrar de outro poeta, Rabindranath Tagore:

“Inebriado com a felicidade de cantar, esqueço de mim mesmo e a Ti chamo de amigo, que és meu Senhor”.

Edson Lodi*Edson Lodi é Mestre Assistente Geral (2024-2027) e autor de algumas publicações na União do Vegetal: Estrela da Minha Vida (2012); Cantiga de Viola (2018), Siga Sua Missão (2020), Eu Vi a Lua (2021).

**Haicai de Roberto Evangelista, escrito anos depois do acontecimento.

Publicado originalmente em 10 de fevereiro de 2016.