Os 70 anos do Mestre Jair Gabriel
| 24 Abril, 2020
Ermanna Cavazzoli da Costa*
Hoje, 24 de abril de 2020, é aniversário de Jair Gabriel da Costa, o Mestre Jair, que está comemorando 70 anos. Esta é uma data muito especial também para mim. Estávamos organizando uma festa no Núcleo Sultão das Matas (Salvador-BA) com a presença dos sócios, irmãos, filhos, amigos, e também de alguns irmãos de caminhada, alguns que viriam inclusive de outros lugares do Brasil.
Mas o inesperado, imprevisível, inusitado aconteceu. A pandemia do coronavírus e a necessidade de recolhimento mudaram nossos planos, e aqui estamos em casa, eu e ele, ele e eu, sem festas, sem visitas, em um momento de exame e reflexão, no qual aproveito para dar um mergulho em meu coração e em nossa história.
Em março de 1991 nos reencontramos (após dez anos) no aeroporto de Salvador-BA (tinha vindo junto com a mãe, a Mestre Pequenina, e à época o Mestre Paulo de Tarso em visita à terra natal do pai, o Mestre José Gabriel da Costa). Ao nos vermos, nossos corações sinalizaram a vibração de um sentimento, um encantamento. Nos dias que se seguiram, começamos nosso namoro.
Convencido de que tinha encontrado a mulher com a qual ia casar, Jair comunicou ao Mestre Geral Representante à época, Mestre Raimundo Carneiro Braga, o qual pediu a ele que, quando regressasse a Porto Velho (RO), passasse por Brasília (DF) para ser reconduzido ao Corpo do Conselho e ao Quadro de Mestres.
No dia 24 de abril noivamos em Porto Velho, onde fui passar umas semanas. Em dezembro daquele mesmo ano, Jair retornou a Salvador após pedir uma licença do trabalho, de dois anos, sem vencimentos, iniciando assim nossa vida de casal.
Quando fui buscá-lo na rodoviária, aquele homem de rosto cansado, barba sem fazer, abatido por seis dias de viagem, dentro de um ônibus, vestindo uma blusa listrada amarela e marrom, calça jeans, trazendo uma pequena maleta onde cabiam poucos pertences – aquela visão me fez estremecer. O sentimento róseo dos corações vibrantes na sintonia do amor agora mudava. Aquela imagem traduzia a dimensão dos desafios a enfrentar. Mostrava-me o outro lado da realidade.
Jair veio morar em um quarto e sala, sem trabalho, sem a adrenalina das ações policiais, praticamente quase sem amigos, em uma cidade desconhecida. Quando saía, não encontrava alguém conhecido a cada esquina, como costumava acontecer na pequena Porto Velho onde antes morava. Sem a floresta, seus igarapés e pescarias, seu cenário agora era outro: um imenso oceano de água à sua frente e um contexto cultural completamente diferente, a começar por mim. Italiana, tinha saído de Milão com 25 anos, e depois de uma longa busca a vida me trouxe para Salvador, onde me estabeleci por ter encontrado a União do Vegetal. O Núcleo onde era sócia, o Serenita, tinha bastante intelectuais, uma linguagem mais “polida” e filosófica. Eu trabalhava na área do turismo, e na alta estação a demanda era grande. Jair ficava muitas vezes sozinho entre quatro paredes.
Procuramos trilhar os caminhos da paciência, resiliência, resistência, e quando parecia não ter jeito, recorria ao Vegetal. Ele não queria. “Vegetal somente em Sessão”, dizia. Mas não lhe dei alternativas, e ele teve de ceder. Na varanda de uma pequena casa, que uma amiga me cedeu, no alto do morro na Ilha de Morro de São Paulo, onde fomos passar uns dias, bebemos o Vegetal e “fez-se luz”.
A importância da UDV na vida de cada um de nós dois, o profundo querer desvendar os mistérios da vida, nos transformar para poder conhecer cada vez mais o Mestre Gabriel e seus ensinamentos nos fizeram ver com outro olhar nossa relação, recuperar a confiança, o ânimo e, aos poucos, superar as dificuldades.
Em 1994, nasceu nossa filha Gabriella. No ano seguinte, Jair encontrou-se com a pintura, e em 1997 fundou o Núcleo Salvador, do qual foi Mestre Representante por dois mandatos, formando Mestres, Conselheiros e Conselheiras. As coisas estavam fluindo, mas em 2002 tivemos de enfrentar mais um teste, um novo desafio. Jair teve de retornar a Porto Velho para reassumir o trabalho de policial. Eu permaneci em Salvador em razão do meu trabalho, e também para manter aberto o caminho das artes que Jair estava trilhando.
O que parecia poder se resolver em meses durou seis anos. Algumas vindas e idas, e lá ele assumiu a Representação do Núcleo Iagora, a pedido do Mestre Central da 1ª Região à época, Mestre Herculano. Mas, ao fim, conseguimos superar também esse desafio, graças a Deus. Jair conseguiu aposentar-se como policial, dar continuidade à sua nova profissão de artista no universo da pintura e realizar um pedido de sua mãe, a Mestre Pequenina: fundar o Núcleo Sultão das Matas.
A vida nos exige mudanças, nos impulsiona a caminhar, nos testa, e você, Jair, nunca fugiu da luta. Soube se reinventar, enfrentar os desafios, buscar e realizar seus sonhos, escutar seu coração.
Nestes seus 70 anos, meus votos são de que possamos continuar a caminhar juntos, cada vez mais unidos, para podermos ver muitas auroras amanhecer; que tenhas saúde, disposição para se renovar e enfrentar os desafios e testes sujeitos a se apresentar; que continues a cultivar a simplicidade, com um olhar atento aos sinais da vida, olhando à sua frente sem esquecer do passado, para poder continuar a zelar por esta Obra Sagrada com um grau de humildade e sabedoria, e sempre mantendo a coerência com o que pratica e ensina.
Feliz aniversário com Luz, Paz e Amor.
*Ermanna Cavazzoli da Costa é integrante do Corpo do Conselho do Núcleo Sultão das Matas (Salvador-BA) e esposa do Mestre Jair Gabriel da Costa.