Mestre Napoleão, uma breve história na União do Vegetal

Agameton Ramsés Justino*
Marcus Levy**

| 6 Maio, 2024

Mestre Napoleão, dezembro de 1975 | Foto: acervo da família.

Napoleão Victor de Oliveira era um senhor honrado, respeitado por aqueles que o conheciam. Baiano de um povoado do município de Monte Santo, nascido em 6 de maio de 1909, faria hoje 115 anos. Foi um dos Mestres da União do Vegetal feitos por Mestre José Gabriel da Costa e é um dos menos conhecidos pela irmandade da UDV.

Mudou-se para o interior de Mato Grosso na década de 1940, já casado com Ana Maria de Oliveira. Moraram primeiro em Poxoréo, região de garimpo, mas logo fixaram residência no então distrito de Rondonópolis, onde Napoleão abriu comércio de ferragens e armarinho (produtos de aviamentos). Autodidata em contabilidade, foi também um dos primeiros tesoureiros do município de Rondonópolis. Mas tornou-se conhecido mesmo pelo seu comércio, a Casa Oliveira, com o qual sustentou sua família.

Napoleão e Ana Maria tiveram alguns filhos, dos quais três sobreviveram à primeira infância. Helena e Antônio morreram ainda jovens, chegando à vida adulta apenas a sua caçula, Nilma Victor de Oliveira, que viveu por 61 anos, até o ano de 2006. Nilma era surda-muda e se expressava com muita afeição e carinho quando se referia ao pai. Ana, filha de Nilma, tinha 3 meses quando o avô desencarnou, em 12 de agosto de 1979, mas tem guardada em sua memória o amor que sua mãe nutria pelo pai: “Ela era apaixonada pelo pai. Viveu até seus últimos anos o luto da morte dele”.

Ana Maria e Napoleão no casamento da filha Nilma com Ademoel, 1971 | Foto: acervo da família.

Homem honrado

Reconhecido pela sua generosidade, era comum não cobrar pelos produtos que vendia quando o cliente não podia pagar. Para o padrão da sociedade da sua época, pode-se afirmar que era um homem de posses. Segundo relato de sua neta, Ana, e de seu genro, Ademoel, Napoleão era pessoa discreta, mas sempre disposta a auxiliar, sem esperar nem pedir nada em troca.

Por ser Rondonópolis um entroncamento rodoviário importante de entrada para o Norte do país, pessoas vinham de muitas regiões, em busca da sorte no desconhecido e longínquo interior mato-grossense. Muitas vezes, Napoleão auxiliava quem encontrava dificuldades para se manter e até pagava o bilhete de retorno aos que não ficavam. Sua filha guardou diversas cartas que ele recebia de agradecimento das pessoas. Algumas cartas chegavam com dinheiro, em retribuição ao auxílio prestado, mas recusava quando queriam lhe pagar pessoalmente. “Esse foi o legado que ele deixou, da bondade dele. Era uma pessoa muito generosa. Tinha amor pelas pessoas”, confirma Ana.

Seu irmão, Eliziário Pedro, conta que Napoleão era um buscador do autoconhecimento, cultivava o hábito de ler livros espíritas e conheceu algumas religiões antes de chegar à União do Vegetal. Em função do seu trabalho, viajava com frequência, aproveitando essas viagens para ir ao encontro dos seus anseios espirituais e também em busca de tratamento de saúde para uma enfermidade que afligia sua esposa.

Encontro com Mestre Gabriel

Em uma dessas viagens foi a Porto Velho (RO) e conheceu o Chá Hoasca pelas mãos do Mestre Gabriel, de quem já tinha ouvido falar por meio de seu amigo Firmino. O motivo dessa viagem pode ter sido o trabalho, como relataram alguns Mestres da Origem. Também pela esperança de que o Vegetal pudesse auxiliar sua esposa, como relata seu irmão Eliziário Pedro. Ou ainda, quem sabe, por um chamamento interno em seu coração, de encontrar a luz que procurava em sua vida. O certo é que Napoleão saiu de ônibus de Rondonópolis, em uma viagem que costumava durar quatro dias, nas estradas de chão, entre poeira, riachos, balsas e pinguelas, e encontrou José Gabriel da Costa e sua religião.

Mestre José Luiz de Oliveira conta que Napoleão se hospedou em um hotel próximo da casa do Mestre Adamir Lima. Sem se conhecerem, tiveram uma conversa tomando café, quando Adamir lhe falou da União do Vegetal e, por ver algo diferente nele, o levou para conhecer o Mestre Gabriel. Esse primeiro encontro foi no ano de 1968.

Mestre Gabriel, de braços abertos, com alguns discípulos, no sítio do Mestre Ramos. Mestre Napoleão é o segundo da direita para esquerda, ao lado de Ramos | DMC/Sede Geral.

Declarado Mestre na União do Vegetal

Quando esteve novamente em Porto Velho, por uma palavra que disse numa Sessão, Mestre Gabriel o declarou Mestre na União do Vegetal, autorizando-o a levar o Vegetal consigo para dar à sua família e a pessoas mais próximas em Rondonópolis. Mestre Gabriel o orientou que aprendesse as chamadas de abertura da Sessão e lhe entregou uma fita K7 da cantora Marinês, explicando que ela conduziria a Sessão por ele. De volta a Rondonópolis, o que se sabe é que Napoleão comungou o Vegetal com seu amigo Firmino.

Mestre José Luiz lembra ainda de uma passagem interessante: quando de outra oportunidade em que Napoleão participou de Sessão do Vegetal em Porto Velho, Mestre Gabriel pediu ao Mestre José Luiz que escrevesse a chamada do Caminho Firme e entregasse a ele. No dia seguinte, quando Mestre José Luiz chegou à rodoviária para encontrá-lo, seu ônibus já estava saindo, mas ainda conseguiu entregar o papel pela janela, mesmo com o veículo em movimento.

Mestre Napoleão (imagem destacada) e irmandade da UDV recebendo Mestre Gabriel no Aeroporto de Porto Velho, 27.03.1971 | DMC/Sede Geral.

Recebeu Mestre Gabriel em 27 de março de 1971

Napoleão participou de poucas Sessões em Porto Velho. Eliziário Pedro, que morava naquela cidade no início dos anos de 1970, lembra de um dia ter encontrado por acaso seu irmão sentado na varanda de um hotel. Sem entender o que ele fazia ali, perguntou o motivo da sua viagem, e Napoleão explicou que viera participar da religião que estava seguindo. Dali, Eliziário o hospedou em sua casa e depois lhe deu carona para ir se encontrar com o Mestre Gabriel. Aquele dia era 27 de março de 1971, dia em que Mestre Gabriel retornou do tratamento de saúde no Ceará e realizou a Sessão dirigida pelo Mestre Raimundo Monteiro de Souza. Napoleão foi um dos discípulos que receberam o Mestre no aeroporto e está presente na foto histórica que registra o fato.

Naquela época, Napoleão já era um senhor de 60 anos de idade, o mais velho entre todos os Mestres da Origem. Podemos imaginar que o Mestre Gabriel, por ver seus feitos e sua trajetória espiritual, teve a confiança de lhe dar em tão pouco tempo o título de Mestre. Foi a primeira pessoa a deixar o Norte do país com o Vegetal dado pelas mãos do Mestre Gabriel. E mesmo que naquele momento ele não tenha dado seguimento na expansão da União, décadas depois a União do Vegetal ressurge em Rondonópolis-MT, cidade onde Napoleão sonhou ver plantada a Obra do Mestre.

UDV presente na 13ª Região

Pelas mãos do Mestre Clovis Cavalieri Rodrigues de Carvalho, alguns anos depois do desencarnamento do Mestre Napoleão, o Vegetal chegou a Campo Grande (MS) e em seguida a Cuiabá (MT), com Mestre Dercílio Marra da Silva. A União se expandiu pelo interior do estado e, em 1º de maio de 2023, foi inaugurado o Núcleo Mestre Napoleão em Rondonópolis. Hoje, na 13ª Região (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), a UDV reúne uma irmandade com mais de 1.500 pessoas, mérito do trabalho de muitos, numa história que se iniciou há quase 50 anos, quando Mestre Napoleão regressa a Mato Grosso trazendo consigo o Vegetal.

Gratidão

Nossos sinceros agradecimentos à família do Mestre Napoleão: seu sobrinho Victor Pedro, sócio do Núcleo Breuzim, que viabilizou a entrevista com seus familiares. Ao irmão de Napoleão, Eliziário Pedro, ao genro, Ademoel, e especialmente à sua neta, Ana Nilma. Por não ter convivido com o avô, as histórias relatadas por Ana são memórias de seus familiares (mãe, pai, avó, primos…) e de amigos mais antigos da família.

Agameton
*Agameton Ramsés Justino é Mestre Representante do Núcleo Mestre Napoleão (Rondonópolis-MT, 13ª Região).

Marcos Levy

**Marcus Levy é integrante do  Corpo Instrutivo do Núcleo Breuzim (Cuiabá-MT, 13ª Região).

Publicado anteriormente em 6 de maio de 2018.