Seminário da UDV, na USP, aborda liberdade religiosa e o uso sacramental do Chá Hoasca

Loreena Vieira*

| 15 Setembro, 2022

Foto: Angelo Venturi.

No dia 14 de julho passado, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), foi realizado o Seminário intituladoLiberdade religiosa e o uso sacramental do Chá Hoasca”, com o objetivo de abordar aspectos jurídicos e antropológicos do uso religioso do Vegetal (também conhecido como Ayahuasca), e também a vivência religiosa das famílias que frequentam o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. O evento acadêmico – que lotou o auditório da Faculdade do Largo São Francisco – contou com a presença de quase 30 pessoas de outras oito comunidades Ayahuasqueiras, o que confirma a importância da abordagem do tema para as religiões que comungam o Chá Hoasca (na UDV, também denominado de Vegetal).

O evento foi promovido pelo Núcleo Samaúma (Araçariguma- SP) como uma das celebrações de seu aniversário de 50 anos, que aconteceu no dia 10 de setembro de 2022. Além da presença calorosa da irmandade desse Núcleo e de outros da Região, também prestigiaram o Seminário o Mestre Central da 3ª Região, Paulo Bianchin, e o Mestre Roberto Souto, membro do Conselho da Recordação dos Ensinos do Mestre Gabriel, sendo que este expôs, em breves palavras, sua vivência com o Mestre Gabriel e com o Vegetal.

O Seminário teve como palestrantes o irmão André Fagundes (Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra), a Conselheira Lucia Gentil (antropóloga pela UNICAMP e geógrafa pela PUC) e o Conselheiro Leonardo Pauperio (Juiz Federal, Mestre em Direito e professor na Universidade Federal da Bahia), que compuseram a mesa com o Mestre Maurício Bernis, Vice-Presidente da Diretoria Geral da União do Vegetal e Presidente da Associação Prosperar.

Desafios jurídicos no âmbito internacional

Após a exposição de resultados de pesquisas científicas a respeito do Chá Hoasca, que o identificam como psicointegrador ou enteógeno (e não uma droga ou alucinógeno), o pesquisador, André Fagundes, trouxe um panorama sobre o alcance e os limites do direito à liberdade religiosa, e demonstrou que a Comunhão do Vegetal está inserida no âmbito de proteção conferido pela liberdade de culto.

Durante a apresentação, foram examinadas decisões de cortes estrangeiras de Portugal e do Reino Unido e analisadas normas constantes em tratados internacionais de direitos humanos que confirmam a existência de uma real preocupação internacional em relação à perseguição e discriminação das religiões minoritárias e a necessidade de se garantir uma genuína democracia.

Tais normas asseguram aos indivíduos tanto o direito de manifestar coletivamente sua crença, quanto o de criar instituições religiosas sem interferências arbitrárias do Estado. Entre elas, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos impõe que os países signatários devem tornar efetivo o pleno exercício do direito à liberdade religiosa – seja por meio de medidas legislativas ou de natureza diversa, tais como o reconhecimento oficial da União do Vegetal enquanto organização religiosa e a concessão de licença para importação e distribuição do seu Sacramento.

De acordo com André, depreende-se, dos diplomas legais, que não basta o Estado apenas tolerar a crença professada pela pessoa pertencente a um grupo minoritário; deve-se, antes, criar condições adequadas à expressão, preservação e, até mesmo, ao desenvolvimento de sua identidade religiosa.

Foto: Angelo Venturi.

A liberdade religiosa sob o olhar antropológico

A antropologia é a ciência que estuda a diversidade étnica e cultural existente entre os inúmeros povos que habitam o planeta, de modo a mostrar que tais diferenças não são desigualdades, isso é, não existe uma cultura ou uma religião superior a outra. Assim, cada cultura e religião tem sua estrutura, organização e lógica, que faz sentido para aquele determinado povo ou grupo.

Sob este olhar, a professora Lucia Gentil mostrou que o etnocentrismo – ou seja, a crença de que determinada cultura é a única correta e, portanto, superior às demais – foi usado, ao longo da história, como justificativa para o domínio de um povo sobre o outro e não contribui para a paz e a fraternidade humana.

Assim, sendo o pensamento do Mestre Gabriel o de criar uma paz no mundo, a defesa e o respeito à diversidade cultural e religiosa mostram-se de essencial importância para a garantia de fundamentais direitos humanos, conquistados com muito trabalho a partir da década de 1940.

Ao mostrar que a diversidade é inerente à natureza humana e, por isso, um direito, a antropologia pode auxiliar a compreender que todas as culturas e religiões devem ser respeitadas por todos os cidadãos e pelo Estado, de modo a contribuir, assim, para a liberdade religiosa e a perpetuação da paz.

A importância do direito constitucional à família

O direito à família é um direito consagrado no Brasil, pois é sobre ela que está alicerçada toda a vida social, da qual o sistema jurídico é apenas um reflexo. Na história brasileira, a família se destaca como a principal instituição social privada, sendo seu direito tutelado desde as Ordenações do Reino de Portugal (primeiros documentos legais vigentes no país) até os dias de hoje, pela Constituição Federal.

Em sua apresentação, o professor Leonardo Pauperio expôs de que maneira a família, um dos principais fundamentos da vivência religiosa na UDV, é um direito garantido pela legislação do país e que, dos tempos coloniais aos republicanos, mantém-se presente nas leis como um genuíno reflexo da cultura nacional.

Dessa forma, Leonardo destacou ser de fundamental importância que a família, em virtude de sua tamanha relevância na construção da vida social, seja um direito tutelado pelo sistema jurídico, na medida em que é uma instituição que espelha a própria essência da sociedade brasileira.

*Loreena Vieira é Integrante do Corpo Instrutivo do Núcleo Samaúma (Araçariguama-SP).

6 respostas
  1. Frederico Korndorfer Neto
    Frederico Korndorfer Neto says:

    Parabéns pela iniciativa! Precisamos sempre lembrar e garantir o direito a liberdade religiosa como alicerce a livre manifestação de credo e de comunhão ao nosso sacramento. Cumprimentos aos palestrantes e ao Núcleo Samaúma!!

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  2. Marcos José Costa
    Marcos José Costa says:

    Excelente trabalho, parabéns ao Núcleo Samaúma, pelo aniversário e pela iniciativa. Imagino que um trabalho dessa importância, que é o direito a libertade de religião, possa vir a ter um âmbito ainda maior, com a participação de autoridades de outros países, em especial aqui da Europa, onde possa chegar a essas autoridades como fazemos uso do Vegetal.

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  3. Tatiana Steiner
    Tatiana Steiner says:

    Muito boas as palavras da professora Lúcia Gentil a respeito da liberdade religiosa e o perigo do etnocentrismo para a perpetuação da paz. Nós, que buscamos plantar a paz devemos manter no nosso horizonte este entendimento.

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