Uma esperança nas margens do Rio Jordão

No município de Jordão, no Acre, Distribuição Autorizada de Vegetal da UDV está promovendo uma verdadeira transformação na cidade. O dia 22 de Julho, aniversário da União do Vegetal, já se tornou feriado municipal.

Adalberto Fassina Junior*

| 12 Agosto, 2020

Sócios da DAV de Jordão em atividade da Equipe do Plantio | Foto: DMC/DAV Jordão.

Como manter a esperança por um mundo de paz?

Pergunta que sitiou meus pensamentos por alguns anos enquanto observava atônito o som dissonante deste mundão de meu Deus. Mundão “véio” de porteira aberta.

Uma palavra trazia uma réstia de luz que não deixava ofuscar a visão dos meus sonhos:

“Criei a União do Vegetal para fazer uma paz no mundo”.

Já tinha o Acre como base avançada de meus estudos espirituais. Paulista vivenciando a realidade sob o prisma florestal. Seringal Novo Encanto, amigos encontrados e reencontrados, integração com a Natureza entre carapanãs, cabas e taxis, frequência do Mestre como um dial de rádio, superação de limites e novas palavras no velho dicionário.

Numa destas imersões, em 2010, o visgo da memória presa. Existia uma cidade nas entranhas da floresta onde a UDV estava transformando a sociedade. Indícios de uma paz anunciada. Jordão, nome inspirador. Sinônimo de vida nova.

Em outra viagem, em 2012, buscando uma mensagem de Chacrona em Feijó, mais uma confirmação da boa nova. Jordão já vibrava em minha memória.

Em maio de 2015, movido pelo querer e contando com auxílio de amigos, embarquei para Rio Branco. Depois, em um bimotor sacolejante, sobrevoando o oceano verde sem fim, chegamos ao pequeno aeroporto às margens do Rio Jordão.

Fui recebido como um filho retornando pra casa depois de muitos anos.

Irmandade pequena, aproximadamente 50 sócios na época. Hoje com quase 80. Crescimento exponencial. Prosperidade em forma de gente.

Fomos direto para um Preparo. A floresta nos presenteou com um Mariri que o vento colheu.

Irmandade receptiva, gente simples e cativante. Histórias de vida fortes e marcantes, “causos” divertidos típicos do Acre.

A Casa de Preparo, um primor, construída no lugar da antiga de palha, que o fogo reciclou. Pilares de concreto construídos com restos de cimento e tijolos descartados de construções recolhidos pela cidade em carrocinhas e moídos no martelo em mutirão. Princípio de sustentabilidade imposta pela geografia em um lugar para o qual o saco de cimento viaja por dias, às vezes semanas, de barco de Tarauacá até Jordão, tornando o preço inviável.

Batista, o Mestre Responsável pela Distribuição Autorizada de Vegetal, me cativou desde o início. Um batista na DAV no Rio Jordão. Só pode ser missão. Ainda brincam comigo: “Pede pra ele te batizar no rio”. Confesso que tive de resistir à vontade.

É policial militar numa cidade que já esteve nas estatísticas de região perigosa pela vizinhança com o Peru e por suas rotas de comércio insalubre. Um dado chama atenção. Do efetivo da cidade, dos nove militares, cinco bebem Vegetal. Soldados da paz?

Alguns sócios atuais ele conheceu na delegacia cumprindo reclusão. Fez um belo trabalho de orientação e aconselhamento. Levou para conhecer o Vegetal e hoje são cidadãos trabalhadores, universitários e com família estruturada. Exemplos de reabilitação e reintegração. Tive a honra de conhecer alguns deles.

Conheci o Weslley. O pequeno menino com sonhos gigantes. Estava com os meninos limpando o banheiro masculino recém-construído. Modelo de capricho. Perguntei se era escala. “Não. A gente escolheu fazer.” Eu estava com a bota melada de barro do caminho e eles falaram: “Pode entrar que depois a gente limpa de novo”. Tirei a bota e entrei de meia. O chão reluzia. A meia saiu do jeito que entrou de tão limpo que estava o chão. Detalhes que podem passar perigosamente despercebidos.

A água é misteriosa. Em uma enchente histórica do rio, em 2008, igualou a todos. A irmandade se mobilizou e ficou 2 dias e 2 noites resgatando os moradores dos alagados. Depois de atender a população foi cuidar do que restou do Núcleo. Nova reconstrução. Quando as águas baixaram, revelou-se o valor da irmandade. O prefeito da época, fundador e autoridade da cidade, e um dos socorridos, reconheceu o que estava florescendo após a fertilização pelo rio. Assumiu o compromisso de “auxiliar a União até o fim da vida”. São hoje reconhecidos pelo bem que fizeram.

O bem sabe é quem recebe mas também traz consequências. Desde então, quando tem algum trabalho que exige uma determinação diferenciada, procuram a União do Vegetal.

Um trabalhador se acidentou na floresta e alguém precisava resgatá-lo. Foram pedir para as pessoas da União pois nenhum outro se apresentou pra buscá-lo. Um dia de caminhada para ir e outro para voltar nas trilhas da floresta com o acidentado na rede.

Às vezes é preciso reconstruir uma casa de ribeirinho que o rio está para levar. Mais um mutirão e a casa é reconstruída alguns metros recuada. Apenas uma atividade de união. Motivo para um churrasco e muitas risadas.

Assim se cria um conceito. Hoje quando um jovem quer melhorar de vida, abandonar a vida de ilusão e trevas, procura a União pois sabe que com poucos dias terá uma casa, um trabalho e uma família. Quando chega um novato precisando, a irmandade faz mutirão e constrói uma moradia no fim de semana. Simples assim.

Na cidade, quando alguém precisa contratar um funcionário, procura na UDV pois sabe que são pessoas com mais responsabilidade. Com isso, hoje a União tem irmãos em todos os setores públicos na cidade, ou contratados ou por aprovação em concursos públicos. Domínio pela paz.

Um dono de bar foi perdendo os frequentadores para a União a ponto de mudar o bar para mercearia e venda de pães. Entre outros casos parecidos. Transformação pela consciência.

Em 2015 a Câmara Municipal aprovou projeto oficializando o dia 22 de julho como feriado municipal: Dia da Paz e Conciliação.

Na eleição municipal ano passado, foi eleito vereador o Conselheiro Marcelo. Segunda melhor votação na cidade. Reconhecimento social. O caminho é este.

Jordão. Um lugar a se conhecer. Só depende do querer.

*Adalberto Fassina Junior é integrante do Quadro de Mestres do Núcleo Rainha das Águas, em Caldas-MG, 3a Região.

*publicado anteriormente em 21 de agosto de 2017.

43 respostas
  1. Adjane Ribeiro
    Adjane Ribeiro says:

    A DAV JORDÃO localizada no alto Rio Tarauacá, fronteira do Brasil com Perú, foi criada pelo Núcleo Senhora das Águas, localizado no Municipio de Tarauacá-Acre, na época 7@ Região (hoje 17@) Autorizada pela Sede Geral no dia 25.12.2008, tendo José Roberto Barbosa (Mestre Central) e Vicente Marinho Lessa (Mestre Representante do Núcleo Senhora das Águas), com o auxílio de muitos irmãos que uniram forças e chegaram no objetivo. Agradecimentos especiais a esses valorosos irmãos, em especial ao EDIVAN DA ROCHA SILVA (Vereador Mathias) presidente da Câmara Municipal, que no ano de 2010 através de projeto de lei, aprovado por unanimidade foi instituido o dia 22 de Julho como sendo o Dia da Paz e da Conciliação, feriado municipal (nessa época ja tínhamos como Mestre Central Darílio Pinheiro), por ocasião do desmembramento da Região. Vitória de todos os valorosos irmãos na busca constante pela paz.

  2. José Roberto
    José Roberto says:

    Gostei muito do relato. Nós que conhecemos de perto toda essa bela história, nos alegramos quando mais irmãos também estão conhecendo está realidade, irmandade simples e dedicada aos princípios da nossa UDV.
    Viva a irmandade do Jordão e viva nosso Mestre Gabriel com sua sublime missão!!

  3. Adalberto Fassina jr
    Adalberto Fassina jr says:

    Amigos e irmãos,
    Quero expressar minha gratidão ao Mestre por me proporcionar a inspiração necessária pra conduzir sua mensagem até onde precisava chegar.
    Gratidão também ao M Mário Marques que sempre esteve presente em todas as vezes que estive no Acre e foi fundamental nesta vivência. Bom amigo juntamente com sua querida família.
    Espero voltar em breve pra Jordão.
    Quem sabe nos encontrarmos por lá.
    Abraço

  4. Raimundo Ramos
    Raimundo Ramos says:

    Poético relato de práticas e atitudes da irmandade jordaniana nos objetivos da missão do Grande Mestre Gabriel, parabéns pela União e clareza. Conselheiro Orlean, meu primirmão ‘Lian’, tem uma parcela de contribuição neste trabalho no Jordão. Abraços fraternos

  5. Marco Silveira
    Marco Silveira says:

    Que texto bonito, e só hoje tive acesso. Parabéns M. Adlberto Fassina pela sua sensibilidade de perceber essas belezas que o ser humano pode proporcionar (já estive por algumas horas em Jordão, e é algo muito bonito mesmo de se conhecer)

  6. Francisco Gomes (Chico Gatão)
    Francisco Gomes (Chico Gatão) says:

    Fassina, realmente emocionante, este depoimento! Este relato me conduziu àquela matéria “Na selva, um místico vende o sonho” Na leitura somos “transportados” para uma realidade dentro de outra realidade tão simples mas ao mesmo tempo tão complexa. Imaginar que pessoas com limitações de vários níveis estão noutra ordem e num nível de doação e amor ao próximo é de encher os olhos. Minha gratidão ao povo do Jordão pela dedicação e determinação pela Obra do Mestre!

  7. Cristina Souza Criniti Aranha
    Cristina Souza Criniti Aranha says:

    Quanto podemos realizar com a prática do bem. Fiquei emocionada com todas as vitórias deste lugar de renovação. Gratidão ao nosso Mestre por sua convicção de que a União vem fazer uma paz no mundo. Esta convicção, devagarinho, vem se tornando nossa também, por meio de nossa prática.

  8. Antonio Vagner de Souza
    Antonio Vagner de Souza says:

    Boas lembranças e recordações que ficam na memória de quem realmente se encantou com a simplicidade do lugar (Jordão). Amigo Adalberto de tudo que o senhor mencionou foi o que me cativou aqui nesse pedacinho de chão.

  9. Paulo Wilker Oliveira Pereira
    Paulo Wilker Oliveira Pereira says:

    Muito emocionante ler e sentir este relato. Prova viva do amor deste Grande Amigo que nós todos temos e que vem sempre, fazendo esta transformação pela consciência para termos um mundo dominado pela paz. Gratidão pela escrita do texto, permitindo assim a todos os irmãos desta obra sentirem a grandeza deste Amigo, deste Grande Mestre.

  10. Gilton Ney Gomes De
    Gilton Ney Gomes De says:

    Que riqueza este relato. A UDV aqui na terra é um tesouro.
    Emocionante. As lágrimas rolam pelo o meu rosto.
    Se for do meu merecimento, um dia sairei daqui da DAV de Almenara, interior de MG, pra conhecer esta irmandade.

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