Mestre Pernambuco e sua contribuição à obra do Mestre Gabriel
| 6 Fevereiro, 2020
Manuel Severino Félix (o Mestre Pernambuco) faria hoje 97 anos. Nascido em Limoeiro-PE migrou para a Amazônia em busca de melhoria de vida e foi soldado da borracha no Seringal Guarapari, onde conheceu Mestre Gabriel em um terreiro de Umbanda.
Pernambuco foi um dos primeiros discípulos de Mestre Gabriel. Participou de momentos importantes da União do Vegetal, tanto nos seringais quanto em Porto Velho-RO. É autor de Chamadas e contribuiu com a expansão do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Casou-se com Maria Guiomar Pereira da Cunha, a Conselheira Guiomar – pessoa querida pela família de Mestre Gabriel e Mestre Pequenina e que terá sua história contada amanhã no Blog da UDV.
Em homenagem ao Mestre Pernambuco, reproduzimos abaixo texto de autoria do Mestre Clovis Cavalieri Rodrigues de Carvalho, membro do Conselho da Representação Geral da UDV, e amigo do Mestre Pernambuco.
Mestre Mourão na União do Vegetal*
Mestre Pernambuco dizia que Mestre Gabriel deu a ele o título de “Mestre Mourão”, que quer dizer: “Posso ser balançado, mas não arrancado”.
Mestre Pernambuco, na década de 1940, saiu do Nordeste, onde nasceu, na cidade de Limoeiro-PE, em direção ao Norte até chegar a Porto Velho. Trabalhou lá por quatro anos. Mais tarde foi para o Seringal Guarapari trabalhar como “soldado da borracha”. Nesse período, encontrou Mestre Gabriel dentro do terreiro de umbanda. Iniciou sua amizade com o Mestre, participando da Confirmação e de toda a sequência dos trabalhos da UDV até o dia do seu desencarnamento.
Mestre Pernambuco teve por companheira a Conselheira Guiomar, uma pessoa simples, humilde, de coração muito bom, com uma história de vida sofrida, de luta e perseverança. Na época em que viveu nos seringais, foi esposa de Chico Lourenço. Quando se mudou para Porto Velho, conviveu com Mestre Gabriel e sua família. Um dia Mestre Gabriel disse: “Pequenina, nós vamos fazer o casamento da Guiomar com o Pernambuco”. E assim aconteceu.
Durante dois anos e oito meses, Mestre Pernambuco morou com alguns filhos em Campo Grande-MS, a meu convite. A Conselheira Guiomar não pôde se mudar porque não conseguiu transferência de trabalho para aquela capital, mas, sempre que podia, ia visitá-los. Iniciamos a DAV na cidade, em fevereiro de 1984. No ano seguinte, passamos a Pré-Núcleo Senhora Santana, muito em razão da presença do Mestre Pernambuco.
Ele tinha uma ligação muito forte com a Senhora Santana, inclusive disse que saiu de Porto Velho porque sabia que iria para o Núcleo Senhora Santana, onde foi um dos Mestres Fundadores, e de lá voltaria a Porto Velho. Ele conta que, ainda quando estavam nos seringais, na época da Recriação da União do Vegetal, Mestre Gabriel fez a Chamada Senhora Santana e ele pôde vê-la dentro dos encantos, descrevendo ter visto uma mulher muito bonita, e usou a seguinte expressão: “Eu vi a Santa”. Desde então, ficou ligado com ela.
Praticamente todos os dias eu ia à casa dele para conversarmos e facilitar sua adaptação na nova moradia, principalmente porque éramos poucas pessoas. Diversas vezes nós dois bebemos o Vegetal em sua casa, durante a semana, para conversarmos a respeito da União, dos ensinamentos e de sua vivência com Mestre Gabriel. Uma das coisas importantes que aconteceu na vida dele, naquela época, foi seu processo de alfabetização, em que uma irmã nossa, Conselheira Marisa, que era professora, ensinou-lhe a ler e escrever, realizando sua vontade de não ser considerado um analfabeto.
Naquele tempo, as Sessões eram dirigidas por mim ou por ele. Certa vez, num dia de Escala, em que eu iria dirigir a Sessão, amanheci com um desconforto no meu corpo, uma coisa esquisita. Pensei até que fosse um estado gripal, mas, com o passar das horas, percebi que não era. Deitei à tarde para ver se passava e nada.
Fiquei sem vontade de ir à Sessão, coisa rara de sentir. Mas fui assim mesmo e, quando cheguei ao Núcleo, disse para ele dirigir a Sessão e relatei o que estava sentindo. Bebemos um copo duplo cheio de Vegetal e fiquei aguardando o que iria acontecer. Lá pelas dez horas (22h) eu ainda estava naquele sofrimento, de olhos fechados, quando senti que ele estava olhando para mim. Abri os olhos e realmente ele estava com olhar fixo na minha direção. Assim que o vi, ele fez a Chamada Correr pra Onde Tem Sombra. Quando terminou a chamada, eu não estava sentindo mais nada daquilo e fiquei bem e tranquilo. Foi marcante aquele momento pela sintonia e sensibilidade do Mestre Pernambuco.
Ele tinha momentos brilhantes dentro da burracheira, de excelente percepção das coisas, demonstrando ser um discípulo fiel do Mestre Gabriel. Uma vez, contou-me que entrou na floresta com Mestre Gabriel e, num determinado momento, o Mestre perguntou-lhe: “Tá sentindo, Pernambuco?”. Ele disse que estava ouvindo um som, como uma burracheira zunindo na sua cabeça, e respondeu: “Tô sim, Senhor!”. Assim, logo percebeu que estavam num Reinado de Mariri.
A Chamada do Tempo, de autoria dele, foi encaminhada para a Comissão de Chamadas, que existia na época, composta por cinco mestres do Conselho da Recordação dos Ensinos do Mestre Gabriel (CREMG), em Brasília, e foi aprovada ainda quando ele morava em Campo Grande.
Um dia, cheguei ao terreno do Núcleo, onde ele era o zelador, e ele me disse: “Está acontecendo alguma coisa muito séria na União do Vegetal. Não sei o que é, mas coisa boa não é”. Ele não tinha telefone em casa, as informações de outros lugares da União geralmente chegavam por mim ou por alguém que nos visitasse, e não tinha acontecido nem uma coisa nem outra. No máximo 48 horas depois, soube de um acontecimento que causou um balanço grande naquele momento, fazendo muitas pessoas sofrerem. Portanto, para mim, essa é mais uma prova da ligação que Mestre Pernambuco tinha com Mestre Gabriel.
Sinto uma alegria de ter tido essas e outras oportunidades na convivência com Mestre Pernambuco e sou grato ao Grande Mestre por me ter dado esse direito de aprender mais alguma coisa de sua doutrina e de sua vida.
Lembranças vivas guardo em meu pensamento, no meu coração e em minha consciência, sabendo que estamos sempre nos reencontrando.
*Artigo publicado originalmente nas agendas 2015 e 2016, produzidas pelo Núcleo Canário Verde (Brasília-DF), e publicado aqui no Blog da UDV em anos anteriores. Manoel Severino Félix – o Mestre Pernambuco – estaria inteirando 97 anos neste 6 de fevereiro de 2020. Mestre Pernambuco nasceu no ano de 1923 e desencarnou em 2 de maio de 2001.
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Um merecimento bom do Mestre Clovis ter tido essas oportunidades de conviver e aprender mais com Mestres da Origem, em especial esse Sr. Mestre Pernambuco, que com sua simplicidade demostrou um coração iluminado.
Estas lembranças fortalecem meu coração, e acredito que também o coração de todos que puderam conhecer Mestre Pernambuco, mostrando as raizes da nossa UDV. Sinto também especial por ter a descrição de acontecimentos sido feita através das palavras de quem conviveu tão perto e fraternalmente ligado, como aconteceu com Mestre Clovis. Precioso depoimento.
Muito importante o depoimento dele pra irmandade.
Muito bom sempre poder ler e guardar coisas boas dessas recordações de relatos de Mestres que já têm experiência…
Aqui podemos sentir através deste texto, em relato a experiência do Mestre Clovis, com o Mestre Pernambuco, uma vivência que vem contar para nós hoasqueiros como aprendizado, e confiança no Mestre Gabriel, e assim confiança na vida. Que Deus te guie, Mestre Pernambuco, no caminho da luz.
Mourão de aroeira! L.P.A
Como é gratificante poder ler essas palavras e conhecer um pouco mais da história desse Mestre e da nossa UDV.
História muito linda.