Mestre Pequenina: uma mulher de virtudes

| 28 de setembro de 2024

Setembro, além da chegada da primavera no Hemisfério Sul, presenteia-nos com o nascimento de Raimunda Ferreira da Costa, a inesquecível Mestre Pequenina. Mulher que veio com a importante missão de ser a companheira de José Gabriel da Costa, o Mestre Gabriel, para criar a União do Vegetal nos seringais da Amazônia, juntamente com seus filhos.

Para homenagear essa distinta senhora, que faria 96 anos neste dia 28, o Blog da UDV convidou uma pessoa que conviveu alguns anos com Mestre Pequenina: Suely Maia de Oliveira Forte, a Conselheira Suely*, como é conhecida no âmbito da União do Vegetal. Filha da Conselheira Eulalia Castelo Maia, Suely teve seis irmãos. Um deles é Wilson, que, aos 6 anos, recebeu uma cura do Mestre Gabriel.

Nos idos de 1965, Mestre Pequenina convidou Eulália para ir conhecer o Vegetal. Daquele sim nasceu uma grande amizade entre as famílias. Conselheira Eulália, à época com dois filhos pequenos, Suely e Wilson, trabalhava no Hospital São José como técnica de enfermagem e os criava sozinha.

A Conselheira Suely faz aniversário no mesmo dia da Mestre Pequenina e as duas comemoraram essa data juntas por alguns anos: “Eu tive a felicidade de nascer no mesmo dia que ela, e a Mestre Pequenina sempre gostou de alegria”.

Infância feliz na casa do Mestre

“Para mim é sempre motivo de grande alegria e uma honra falar da Mestre Pequenina. Eu e meu irmão convivemos na casa do Mestre Gabriel alguns anos.

Mestre Gabriel sabia, e Mestre Pequenina também, que a gente ficava sozinho em casa. Então Mestre Gabriel pediu para Mestre Pequenina nos pegar e trazer para sua casa para passar o dia. Ali a gente brincava, a gente se alimentava, ficava em convivência com os filhos da família. Para mim, o Mestre Gabriel foi um pai. O meu pai separou-se muito cedo da minha mãe e eu não tinha convivência de pai – o pai que eu tinha como referência era o Mestre Gabriel.

Fomos vizinhos por muitos e muitos anos. Mestre Pequenina era uma pessoa que recebia de braços abertos quem chegava na casa dela precisando de auxílio. Conheci algumas pessoas que a chamavam ‘mãe Pequenina’, principalmente as que vinham do seringal em busca de saúde, muitas em estado crítico de malária – a C. Losa foi uma dessas. Todas ficavam na casa da Mestre Pequenina e algumas não voltavam para o seringal. Ali aquelas pessoas encontravam aconchego, encontravam um lar e conheciam uma família. Algumas moraram um tempo na casa da Mestre Pequenina, um bom tempo, e só depois é que foram encaminhando suas vidas, casando-se, mudando de cidade, etc.

A Mestre Pequenina era uma pessoa que gostava de auxiliar, e nós fomos merecedores desse cuidado, dessa amizade… de ela ter auxiliado a minha mãe a nos criar, porque na verdade foi isso. Ela auxiliou a minha mãe a cuidar da gente. Nos deu o que ela tinha de melhor, em termos de orientação, de comportamento. Ela foi trazendo para a gente esse amor de mãe.”

Virtudes da Mestre Pequenina

“Uma das virtudes da Mestre Pequenina era a coragem. A coragem de enfrentar os desafios da vida.

Depois que o Mestre Gabriel desencarnou, ela ficou com todos aqueles filhos, boa parte era ainda pequena. O Bem – apelido de Bemvino Gabriel da Costa, filho mais novo do Mestre Gabriel e da Mestre Pequenina – tinha 8 meses de vida. Mas ela sempre teve coragem para trabalhar, e nisso aí eu sempre me inspiro nela.

Naquela época, ela não tinha um trabalho fixo como a gente tem hoje, mas ela sempre trabalhou, sempre deu o jeito dela, sempre fez as coisas para ganhar o dinheiro dela, para sustentar os filhos. Ela dizia assim: ‘Minha filha, eu não peço. Não peço porque tenho saúde e disposição para trabalhar. Se alguém quiser me dar, eu aceito. Mas viver pedindo, eu não gosto de fazer isso’.

Nos idos dos anos 80, já existia a Zona Franca de Manaus e a BR Transamazônica. Eu ia com ela de ônibus para trazer as coisinhas dela para vender. 

Ela sempre trabalhou, não só para sustentar os filhos e se manter, mas também trabalhou muito pela União do Vegetal. Uma pessoa incansável. Acompanhei Mestre Pequenina indo dirigir Sessão, dirigir Preparo de Vegetal em Ji-Paraná (RO), em Jaru (RO), algumas vezes. Uma pessoa que nunca teve indisposição para trabalhar pela UDV.

Eu lembro que no primeiro desmembramento da União do Vegetal, a minha família seguiu com a família da Mestre Pequenina e a gente passou um tempo bebendo Vegetal no sítio do Jorge Simon. E ela tinha umas terras, um terreno, em frente a esse sítio do Jorge. Ela doou uma parte para a União do Vegetal para construir o Núcleo Mestre Iagora. Uma pessoa desprendida de bens.

Essa virtude dela eu sempre me lembro: da coragem. Coragem de enfrentar as coisas da vida, de resolver, de não se abater pelos desafios. Criou os filhos dela com dignidade, honestidade, dentro da humildade e nos criou assim também, eu, meu irmão e minha mãe. 

Outra virtude da Mestre Pequenina era a bondade. Porque Mestre Pequenina sempre foi uma pessoa muito bondosa. Todos que precisavam dela, que chegavam até a casa dela, com dificuldades, muitas vezes financeira, o pouco que ela tinha, ela compartilhava com as pessoas.

Depois que eu vim morar em João Pessoa (PB), todas as vezes que eu ia a Porto Velho, Mestre Pequenina me pedia para levá-la à casa de uma pessoa: dona Antônia. A dona Antônia era casada com o seu Santos e eles tinham uma filha adotiva, a Edith. O seu Santos e a dona Antônia eram sócios na época do Mestre Gabriel, e o Mestre Gabriel e a Mestre Pequenina eram padrinhos da Edith.  

Depois que o Mestre Gabriel desencarnou, o Santos separou-se da dona Antônia. Depois de um tempo, dona Antônia adoeceu e ficou de cama, por muitos anos, eu acho que uns 10 a 12 anos.

Elas tinham poucos recursos materiais, eram bem humildes mesmo. Eu e o meu irmão Wilson sabíamos onde elas moravam porque tínhamos uma tia que morava perto da Edith. Então, geralmente, quando a gente visitava a minha tia, a gente visitava a Edith e a dona Antônia. E a Mestre Pequenina, sabendo que eu sabia onde elas moravam, quando eu estava em Porto Velho, ela sempre me pedia para ir ver a comadre dela.

Olha que o tempo já tinha se passado, mas Mestre Pequenina nunca abandonou a dona Antônia. Quando eu chegava em Porto Velho, ela me perguntava se eu tinha notícias da dona Antônia e me pedia para levá-la à casa da Edith. Quando chegávamos, dona Antônia, mesmo acamada, ficava numa felicidade, chorava, conversava com a Mestre Pequenina.

Uma vez dona Antônia pediu para Mestre Pequenina levá-la para ir beber o Vegetal na União. Mestre Pequenina lhe disse assim: ‘Minha comadre, agora fica difícil de levar você para ir beber o Vegetal porque você está acamada e eu não tenho condições de lhe levar, mas, se Deus quiser, uma hora eu venho e lhe dou o Vegetal’. 

Todas as vezes que a Mestre Pequenina ia lá, ela colocava um valor na mão da dona Antônia. Um valor que eu nunca soube quanto era. Eu só lembro que eu vi essa cena muitas vezes: a Mestre Pequenina, quando ia saindo, abria a mão da dona Antônia, colocava aquele dinheirinho na mão dela e fechava, e dizia assim: ‘Isso é para você comprar os seus remédios, comprar a sua alimentação, é para você comprar o que necessita para você’.

Rapaz, eu achava isso tão bonito. Me emociono até hoje só de lembrar. Mestre Pequenina era muito bondosa com as pessoas. Gostava de cuidar das pessoas. E, para mim, essa bondade que ela fazia para dona Antônia era uma coisa do coração dela. Fazia por amor e amizade àquela comadre dela que tanto serviu a ela, que tanto auxiliou a organizar os trabalhos na Sede histórica, em Porto Velho, quando a M. Pequenina era Organ (responsável pela organização de alguns trabalhos de um Núcleo ou Distribuição Autorizada de Vegetal). Dona Antônia era uma das pessoas que auxiliava Mestre Pequenina a limpar o Salão. E Mestre Pequenina nunca esqueceu aquela amiga.”

*Suely Maia de Oliveira Forte integra o Corpo do Conselho do Núcleo Conselheiro Salomão Gabriel (Santa Rita/PB – 10ª Região).