Mestre Zé Pretinho, um peregrino da Obra do Mestre Gabriel
| 30 Abril, 2025
Joaquim Gabriel de Souza da Silva*

Mestre José Pereira, carinhosamente chamado pelos discípulos e amigos da União da Vegetal de Mestre Zé Pretinho, é lembrado como um exemplo de amor pelo Mestre e de dedicação ao engrandecimento dessa obra.
Nascido em 19 de março de 1922, na cidade de Limoeiro do Norte, no estado do Ceará, era um caboclo nordestino de origem simples, que sempre carregou consigo a necessidade de trabalhar e de lutar para superar as dificuldades da vida.
Como muitos nordestinos, Mestre Zé Pretinho seguiu a vida de retirante rumo aos seringais da Amazônia ainda na década de 1940. Ao chegar às regiões amazônicas, dedicou-se ao trabalho de seringueiro, atividade que exerceu por mais de 30 anos.
O encontro com o Vegetal
Homem de fala simples e muito atento, ele sempre se interessou em saber o que a floresta podia lhe oferecer. Conheceu o Vegetal por meio dos mestres de curiosidade, tendo recebido o Chá pela primeira vez em 1953, das mãos de Chico Lourenço. Encantou-se com o Vegetal, com suas maravilhas e com tudo o que a natureza lhe mostrava.
Durante um período em que enfrentava a lida diária e o trabalho duro nas florestas, sentia-se adoentado, reclamando de fortes dores de cabeça e de um calor que intensificava o desconforto. Ao encontrar-se com Chico Lourenço, Zé Pretinho disse: “Chico, não estou me sentindo bem. Sinto uma dor e uma quentura na cabeça que quase me impede de trabalhar”.
Chico Lourenço aconselhou que, se Zé Pretinho bebesse o Vegetal naquele dia, seria curado. Confiante em sua fé no Vegetal, ele comungou o Chá. Mestre Zé Pretinho relatou que foi conduzido até uma linda cachoeira e, ao chegar lá, banhou-se nas águas, sentindo-se curado pelos encantos. Ele ainda se recordava com carinho da música Imaginação (Benné Torres), especialmente quando a canção dizia: “Debaixo de uma fonte cristalina, imaginei um dia estar onde sábios, poetas e profetas banharam seus corpos”.
O encontro com o Mestre
Durante muito tempo, Mestre Zé Pretinho ficou bebendo o Vegetal sem ter a quem seguir. Bebia o Chá com os mestres de curiosidade e permaneceu assim por, pelo menos, oito anos. Um dia, enquanto bebia Vegetal com um senhor chamado Raimundo Brilhante, encontrou-se com o Mestre Gabriel no barracão do seringal Sunta. Ao saber que Mestre Gabriel trabalhava com o Vegetal e possuía talento, ele pediu auxílio, dizendo-lhe: “Gabriel, soube que você prepara o Chá do Mariri. Eu bebo o Chá com o Raimundo e, toda vez, ele me faz sair correndo e chorando para debaixo da mesa. Ajude-me a sair dessa”.
Mestre Gabriel, então, ensinou-lhe a Chamada do Funil, recomendando que Zé Pretinho a fizesse antes do Raimundo. Zé Pretinho assim fez. Ao perceber que se manteve firme e equilibrado, reconheceu, no Mestre Gabriel, a segurança de uma consciência clara, passando a beber o Chá Hoasca com ele.

Trajetória na União
Mestre Zé Pretinho permaneceu bebendo o Vegetal juntamente com Mestre Gabriel e com os primeiros irmãos no seringal até a ida do Mestre para Porto Velho/RO, em 1965. Depois, seguiu para o seringal Mamo, onde continuou participando da Distribuição de Vegetal Divina Providência, até 1974. Entre 1969 e o início de 1974, ficou responsável por essa Distribuição, função que recebeu de Mestre Gabriel após a ida de Mestre Bacurau para Porto Velho, que era o responsável até aquele momento.
Ao chegar a Porto Velho, em 1974, recebeu a camisa de Mestre pelas mãos da Mestre Pequenina, conforme registrado por Mestre Paixão em suas anotações.
Mestre Zé Pretinho seguiu na União do Vegetal em Porto Velho até meados de 1979, quando foi convidado por Mestre Pequenina para reabrir os trabalhos do Núcleo Estrela Divina, em Plácido de Castro/AC, que estavam suspensos até então. Prontamente, colocou-se à disposição e permaneceu na representação por 17 anos consecutivos, formando Mestres e recebendo os irmãos seringueiros e trabalhadores rurais, muitos dos quais não tinham sequer condições de comprar o uniforme da UDV.
Mestre Manoel Gomes, que também ocupou a função de Representante do Núcleo Estrela Divina, relembra alguns acontecimentos: “Naquela época, a Vila Plácido era muito pequena. Hoje já é pequena, então imagine há 30, 40 anos atrás. As pessoas tinham condições muito simples, e, às vezes, durante os Preparos, era comum algum irmão saírem [sic] para caçar e trazer alimento para quem estava ali preparando o Vegetal”.
As dificuldades não interromperam os trabalhos nem o fortalecimento da Obra. Mestre Zé Pretinho era um verdadeiro lutador da missão. A irmandade da 7ª Região relembra que, ainda nos tempos antigos, ele caminhava de Vila Plácido até a capital, Rio Branco, para cumprir com as Sessões da Direção e com as do Quadro de Mestres da Região. Percorria mais de 80 km a pé, constantemente, para honrar os compromissos, sendo um verdadeiro “Peregrino da Obra”. Trabalhava na lavoura e deixou para todos um exemplo de amor, dedicação e carinho.
[…] sempre lembrado com muitos sorrisos e saudades
Mestre Wellington Maciel recorda que, apesar das dificuldades, o humor e o espírito amigo sempre prevaleceram no coração desse caboclo e Mestre. A maneira divertida de ele se comunicar também era uma das características marcantes. Ao final das Sessões, costumava dizer: “Meus irmãos, vamos arregalar os olhos que eu vou despedir o hômi [sic]”.
Assim, o Departamento de Memória e Comunicação (DMC) presta esta singela homenagem a esse nobre irmão, amigo e Mestre, fortalecendo os votos de Luz, Paz e Amor para todos nós da União do Vegetal, para que possamos sempre caminhar com os primeiros irmãos.
*Joaquim Gabriel de Souza da Silva, pertence ao Quadro de Sócios do Núcleo Flor Divina (11ª Região, Itaitinga/CE).
Colaboram com essa publicação:
- Ruberval Francelino Pereira da Silva (Valdé) filho do Mestre Zé Pretinho e integrante do Quadro de Mestres do Núcleo Mestre Pojó, 7ª Região, Distrito de Extrema – Porto Velho/RO;
- Emerson Guimarães, Mestre Representante do Núcleo Estrela Divina, 7ª Região, Plácido de Castro/AC;
- Arlindo Almeida de Lima, Mestre Assistente Central na 7ª Região.