Mestre Gabriel, desde menino, era diferente

| 10 de fevereiro de 2025

Equipe do Blog*

Dez de fevereiro, dia consagrado no seio da União do Vegetal, aniversário de 103 anos de José Gabriel da Costa. Em sua homenagem, o Blog da UDV traz trechos de depoimentos de dois de seus irmãos, Alfredo e Antonio Gabriel da Costa, irmãos mais novos de José Gabriel da Costa – o Zé, como era chamado entre seus familiares.

Nascimento e Infância

José Gabriel da Costa, 8º filho de Prima Feliciana e Manoel Gabriel, nasceu ao meio-dia de 10 de fevereiro de 1922, em Coração de Maria, sertão baiano, a cerca de uma hora de Feira de Santana.

Alfredo (1924) é dois anos mais novo que José Gabriel e Antônio (1927) é cinco anos mais novo. A proximidade da idade proporcionou também a convivência dos irmãos e boa parte do que se sabe da infância do Mestre Gabriel se deve aos depoimentos deles.

Sertanejo letrado

José Gabriel sempre foi diferente das demais pessoas. Autodidata, aprendeu a ler e a escrever sozinho e tinha grande facilidade com versos e repentes, ganhando um apelido na juventude por essa habilidade, conforme conta seu irmão Alfredo Gabriel da Costa**:

Teve muito pouco tempo de escola. Algumas vezes, quando nós íamos trabalhar na roça, ele entrava no mato e demorava. […] E eu ia até onde ele estava e via ele com um pedaço de lápis e um caderno, escrevendo, ajoelhado no chão. […] Muitas pessoas ignoravam que ele, com tão pouca escola, escrevia com tanta perfeição.

Era uma pessoa muito letrada, muito ativa e repentista. Tudo o que perguntavam pra ele no repente, ele não pensava pra responder. E às vezes a pessoa pensava que ele ia responder de um jeito e ele respondia de outro. Mas o que ele respondia encaixava sempre com a pergunta, era sempre certo. Por isso chamavam ele de “Cancão de Fogo”, pela facilidade dele criar repentes.

Equilíbrio e agilidade

Já o irmão Antonio Gabriel*** chegou a reencontrar José Gabriel da Costa em 1971, quando este retornou à Bahia para rever a família. Depois, foi até Porto Velho/RO encontrar o irmão, onde conheceu a União do Vegetal e os primeiros discípulos do Mestre. Anos mais tarde, Antonio veio a se tornar o único dos irmãos de José Gabriel da Costa a chegar ao Quadro de Mestres da UDV.

Antônio lembra das habilidades físicas de “Zé”. Desde cedo, demonstrando equilíbrio e agilidade: 

Ele jogava muita capoeira, era muito veloz.

Ele não aprendeu (capoeira) com ninguém. Ele nasceu sabendo, porque não tinha ninguém para ensinar a ele. Ele fazia aquilo nas festas, naquele samba de roda. Aí, fazia aquela roda ali, o povo entrava dançando e ele entrava fazendo a capoeira lá. Na vez dele entrar, jogava capoeira e dava um pulo mortal. Ele jogava a capoeira rasteira assim que as pernas dele pareciam as pás de um ventilador. Uma velocidade grande.

Galope em pé

O nível de equilíbrio do menino José conseguia o improvável: ficar em pé num cavalo em movimento. O povo se assustava, ao passo que não disfarçavam a admiração, lembra Antonio Gabriel:

A gente tinha outro sítio, a quatro quilômetros, chamava Queimado. Tinha a Fazenda Pedra Nova e tinha o Queimado. Era outra propriedade do meu pai onde a gente plantava, no inverno, milho e feijão sem adubo. A gente também mudava a criação de um pasto para outro. Ele (José Gabriel da Costa) ia montado a cavalo. Nós íamos montado, tangendo a criação, e ele montado. E uma hora, quando ele passava na frente de onde tinha gente, aí ele passava em pé, em cima do cavalo, botava o cavalo para andar, aí ele em pé, virava a frente para o rabo do cavalo, para prender e tal, fazendo aquelas coisas em cima do cavalo. Aí o povo ficava dizendo: “Deve ter negócio ali”. E era ele montado, em cima do cavalo, fazendo aquelas coisas. Não era em cela não, era em pelo, cavalo em pelo, pegava os dois pés assim, botava no lombo do cavalo. Ele caminhava em cima do cavalo, cavalo andando.

Unindo as pessoas desde criança

Uma lembrança muito bonita trazida por Antonio Gabriel foi de José, desde menino, brincando de unir as pessoas durante as missas na Igreja Católica, religião onde foi criado:

Tinha a brincadeira que ele fazia durante a missa. Quando nós íamos sempre levava um trocadinho para comprar doce, caramelos, aquelas balas doces, fazer a farra de menino, né? E ele comprava uma caixa de alfinete. Ele sempre levava alfinete.

E quando o povo se ajoelhava, ele pregava as camisas dos homens com a saia das mulheres, com as blusas. Eles estavam de pé ou ajoelhado e ele passava e pregava. Quando a pessoa ia se levantar, estava pregada. Muita vez, quando ia ajoelhar, que levantava: “que negócio é isso?” E que olhava: estava pregado, mas não via que era ele (José Gabriel). E nós ficávamos lá de fora dando risada. Ele fazia essa brincadeira com o povo.

Aí eu falando isso lá para a Pequenina (esposa do Mestre Gabriel), em Porto Velho, e ela disse que ele já vinha unindo as pessoas através de um alfinete.

Desde criança uma pessoa boa

Era uma pessoa muito boa, desde criança. Todo mundo gostava dele. Às vezes, o pessoal mais velho se reunia – e o novo também –, quando era dia de amarrar fumo (meu pai tinha lavoura de fumo), e passava uma noite alegre, dando risada daquele modo dele (fazer repente). Ele nunca fazia nada (nos seus repentes) pra uma pessoa ter ódio dele. Porque há muita gente que faz poesia que uns gostam, mas que outros têm ódio. Com ele não. Tudo o que ele fazia agradava todo mundo. (Alfredo Gabriel da Costa, 1987)

Relembrar a infância do Mestre é uma forma de resgatar a memória de seus primeiros anos e ligar, dentro de cada um de nós, o sentimento de alegria e aconchego familiar, base de todo ser humano equilibrado e sadio.

Que nesta data consagrada no seio da União do Vegetal todo povo caianinho possa festejar este bem-aventurado dia do nascimento de nosso Mestre, que vem trabalhando para unir as pessoas por meio da paz: dentro de cada um, individualmente, e de cada um para com os demais; transmitindo – sem mudar uma vírgula – os mesmos ensinamentos de Jesus.

Colaboraram:

Flávia Ilíada – Vice-Diretora de Comunicação Externa | DMC-DG

Fonte:

**Departamento de Memória e Comunicação da Diretoria Geral (DMC-DG).

Entrevista com Alfredo Gabriel da Costa para o informativo da União do Vegetal Alto Falante, realizada por Edson Lodi, Márcio Da Rós, Marlucia de Carvalho e Zilda Monteiro, em 17 de abril de 1987.

***Entrevista com Mestre AntOnio Gabriel da Costa, para o DMC do Núcleo São João Batista (São Paulo – 3ª Região), em 2005, realizada por Edson Lodi, Edson Romão, Almir Nahas e Lucas Nahas.