Novos entendimentos sobre manifestações da psicoatividade humana
Neste artigo, abordo o livro “Droga – A Dicção – Elementos para um estudo Multidisciplinar da Psicoatividade”, de autoria do Dr. Domingos Bernardo, um amigo da UDV.
Edson Lodi Campos Soares*
| 17 Novembro 2017
Contrariando a máxima de que “Pela obra se conhece o criador”, antes de iniciar minhas considerações a respeito do oportuno livro “Droga – A Dicção – Elementos para um Estudo Multidisciplinar da Psicoatividade” (Editora Lumen Juris), faço uma curta apresentação de seu autor, Domingos Bernardo G. da Silva Sá. Ele é um eminente jurista, homem dotado de gentilezas e nobrezas espirituais, cujo cabedal de realizações em prol da manutenção da dignidade humana não me permite enumerá-las aqui por serem tão vastas e tão diversificadas. Mas faço pelo menos dois pequenos recortes – nem, por isso, menos importantes – do cenário do processo de institucionalização do uso do chá Hoasca (Ayahuasca) no Brasil.
Em meados de 1985, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN) acatou a petição assinada pelo Dr. Luis Felipe Belmonte dos Santos, representando o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. O objetivo era a revisão da então recente proibição do uso do chá Ayahuasca. O Dr. Domingos Bernardo, acompanhado de numerosa equipe multidisciplinar, após demorado processo que envolveu estudos rigorosos, além de visitas a diversas confissões religiosas que utilizam o sacramento da floresta, encaminha finalmente seu Parecer ao CONFEN – com conclusão favorável à utilização ritual da Ayahuasca.
Houve um momento marcante e decisivo ao longo desse processo, quando se deu a proibição do uso da Ayahuasca por menores de idade. A razão, a denúncia de uma mãe que, no entanto, envolveu apenas uma específica religião hoasqueira. Com coragem, conhecimento e firmeza, o Dr. Domingos Bernardo, com o auxilio da UDV e de tantas outras pessoas – aqui ressalto o trabalho do Dr. Edward MacRae – combateu aquela medida. Venceu. E vencemos todos. Mas a vitória foi dele, sobretudo com seu firme posicionamento contra o que chamou de “a indébita e policialesca intervenção do Estado no âmbito das relações familiares”.
Leitura agradável
O livro Droga – A Dicção – Elementos para um estudo Multidisciplinar da Psicoatividade oferece-nos uma leitura agradável, apesar da densidade de um tema tão controverso e, na maioria das vezes, tratado apenas na esfera policial: a questão das drogas. A violência, a desestruturação familiar, a divergência de opiniões que percorrem de um extremo a outro – da repressão brutal à liberação indiscriminada – os preconceitos arraigados, as marchas e contramarchas, tudo contribui para a complexidade que cerca a busca de soluções. Do alto de sua longa experiência, com simplicidade e lucidez, Domingos Bernardo guia o leitor por esse labirinto.
Para dar uma brevíssima ideia do fio de Ariadne com que o autor conduz o leitor ao longo da obra, valho-me de uma citação do Professor Elisaldo Carlini, lembrada no livro: “Para combater a violência, estudamos a substância psicoativa que o ser humano usa, quando o certo seria estudar o ser humano que usa a substância psicoativa.”
Domingos Bernardo deixa clara a sua opção por usar o termo psicoativo em vez de os mais usuais, como drogas, psicotrópicos, etc. Essa abordagem é trabalhada ao longo da narrativa pelo autor, para quem a definição de psicoativo “abrange todas as formas de atuação sobre o psiquismo, muitas vezes sem a ingestão de qualquer substância”. Dessa forma, incorpora com maestria alguns conceitos básicos que fundamentam sua visão humanitária, aliada a um agudo saber jurídico e filosófico, propondo medidas eficazes para melhor compreensão do assunto. Ele ressalta que “Todo este empenho visa a demonstrar que a violência agitada, como sendo produto primário do consumo de psicoativos, é, na realidade, um problema de educação, de exercício da capacidade de conviver com as frustações”.
Igrejas Ayahuasqueiras
O capítulo O pleito das Igrejas Ayahuasqueiras e o uso comunitário de psicoativos tem um sabor especial para os adeptos de confissões religiosas que utilizam o sacramento que, na União do Vegetal, conhecemos como Hoasca. É profunda a definição de sacramento que o Dr. Bernardo nos apresenta: “O sacramento, aqui, é tomado como força presencial de pessoas, o poder maior de ser presente, superando todas as ausências. O sacramento ganha vida a partir dos sentidos, quando eles se traduzem em sentimentos. Não há sacramentos sem sentimentos, nem sentimento independente de seu nascedouro em um de nossos cinco sentidos.”
O texto, assim, oferece ao leitor novos painéis de entendimento acerca das diferentes manifestações da psicoatividade humana, além de melhores condições intelectuais e espirituais para identificar o que regulam ou pretendem regular as leis sobre drogas.
O livro Droga – A Dicção… já tem lugar de destaque em minha cabeceira e em minhas reflexões. Convido o leitor interessado em compreender com espírito desarmado os múltiplos e, por vezes, paradoxais aspectos que encerram esse debate a aproximar-se dessa obra singular, que trata da matéria com distanciamento, equilíbrio e viva inteligência.
*Edson Lodi Campos Soares é Mestre Assistente Geral do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.
Serviço
O livro pode ser adquiro através do e-mail livros.dg@udv.org.br ao preço de R$ 50,00. O frete é de responsabilidade do comprador.
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