Mestre Roberto Evangelista, sua arte e inspiração

| 11 fevereiro, 2025

Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, Bélgica, 1992 | acervo familiar.

Um dos pioneiros na União do Vegetal, chegou em 1970 à UDV e conheceu o Mestre Gabriel em 1971. Sua caminhada foi sólida e valorosa. Mestre Roberto Evangelista deu importante contribuição ao Centro, tendo sido Mestre Representante de Núcleo por cinco vezes, Mestre Central três vezes e Mestre Assistente Geral quatro vezes. Além de homenagear o Mestre na União do Vegetal, reconhecemos também o seu valor como artista contemporâneo que, por um bom tempo, deixou esse lado profissional quase que ocultado no Centro, apesar de a espiritualidade ter influência central em sua obra. Com o passar dos anos e o reconhecimento nacional e internacional em diversos âmbitos, algumas pessoas tomaram conhecimento do grande artista que foi Roberto Evangelista.

O texto é de autoria da Conselheira Marcia Gallina, que traz a trajetória dele pela arte e sua influência nos festivais culturais que passaram a existir no Centro.

Ave, artistas!
Do nada garimpam
ouro e prata.

Roberto Evangelista

Neste dia em que o Mestre Roberto Evangelista faria 79 anos, prestamos nossa homenagem ao poeta e artista visual, relembrando alguns de seus processos criativos.

Nascido em Cruzeiro do Sul, Estado do Acre, mas amazonense de criação, ele mesmo considerava-se um amazônida. Morou em Brasília-DF em um período importante de sua juventude, onde teve a oportunidade de conhecer e conviver com cineastas e artistas plásticos que o influenciaram de forma significativa.

Estudou Filosofia na Universidade Federal do Amazonas, atual UFAM, e vivenciou a arte em suas múltiplas possibilidades, passando pelo movimento teatral amazonense, onde se tornou um dos fundadores do Teatro Universitário do Amazonas (TUA), integrando posteriormente o Teatro Experimental do Sesc (TESC).

Considerado um dos pioneiros, em seu país, na utilização dos recursos audiovisuais em seus trabalhos, foi no campo das artes visuais que obteve o reconhecimento nacional e internacional por suas instalações, que chegaram a ocupar, entre outros, o importante espaço da 23ª Bienal Internacional de São Paulo, com o reconhecimento de críticos renomados.

Conforme ele mesmo afirmou, a espiritualidade é parte inerente do seu processo criativo. E sendo assim, desde as suas primeiras instalações, a utilização da tecnologia disponível em sua época colocou-se a serviço, de forma poética, da imaginação, como um dos aspectos subjetivos da ancestralidade, característica recorrente em suas obras.

Instalações memoráveis

As Instalações artísticas são manifestações de arte contemporânea que se utilizam do espaço, seja dentro de um museu ou em uma área ao ar livre. Essas obras podem interagir com os espaços públicos, provocando reflexões sobre a cidade, a sociedade e a arte em si. Roberto teve sua trajetória marcada por memoráveis instalações.

Em 1976, a instalação Mater Dolorosa I provoca a reflexão, no cenário das artes plásticas, sobre a exploração da Floresta Amazônica. Em Ritos ele assim descreve: “A Amazônia é o último laboratório devidamente equipado para o reencontro do homem consigo próprio, onde a natureza ainda propõe reflexões”.

Já na instalação Mater Dolorosa, in memoriam II – da criação e sobrevivência das formas, o artista aproxima-se da cultura indígena, trabalhando diretamente com uma família da etnia tukano. A conexão de suas obras com o tempo presente, ou seja, com aquilo que está acontecendo neste momento, é refletida nessa dimensão social perante a realidade humana e ambiental que se impõem na construção histórica e cultural dos povos indígenas e ribeirinhos, e no impacto da influência dos centros urbanos em terras amazônicas. Em síntese, suas instalações são permeadas por significados que suscitam reflexões sobre as origens e o decurso do tempo: ancestralidade, humanidade e meio ambiente. O artista do tempo, agindo em tempo! Espiritualidade em essência.

Mestre Roberto, Conselheira Ana e filhos | acervo familiar.

Arte em palavras

Na escrita, não poderia ser diferente. Inspirando-se na mesma fonte pela busca da arte como transcendência, Roberto Evangelista desenvolve com maestria uma série de haicais, frutos da contemplação e da intuição, também conhecidos como poesia síntese, ou a arte da captação de instantes poéticos, em que o mínimo de palavras expressa o máximo de sentidos na representação de uma imagem. E assim o faz:

Para salvar a
lavoura – lavra lavra
bem a palavra.

Roberto Evangelista

Arte como instrumento de formação

Roberto Evangelista chegou ao Quadro de Mestres da União do Vegetal em 30 de março de 1974 e naquela época já trabalhava com arte. Dessa forma é considerado o primeiro Mestre na União do Vegetal a ter uma atuação artística profissional, tornando-se também uma importante referência para os novos artistas que chegaram à UDV nos anos subsequentes.

Compreendendo a boa arte como um instrumento fundamental de conhecimento, em suas diferentes manifestações: música, teatro, dança, artes visuais e literatura, Roberto Evangelista deixou bons exemplos de como podemos aproveitar essa fonte de inspiração na formação do ser humano.

A Conselheira Ana Evangelista, sua companheira ao longo de 50 anos, relembra que eles participaram de rodas de conversa com grupos de jovens na União do Vegetal, algumas marcantes, como em São Paulo e em Fortaleza, nas quais ele incentivou a aproximação dos jovens das manifestações artísticas como uma forma de comunicação, expressão criativa e ampliação do desenvolvimento pessoal. Essas conversas inspiraram a realização de alguns Festivais Culturais nos Núcleos da União, entre eles o Festival Nona Cultural, da 9ª Região, que está em sua segunda edição.

O casal foi convidado de honra da primeira edição do Festival Allegro, que acontece a cada dois anos no Núcleo Rei Salomão, em Belo Horizonte, onde a irmandade vivencia três dias consecutivos de apresentações culturais. Nesse festival, Mestre Roberto Evangelista ministrou uma palestra intitulada “Arte e espiritualidade” e expressou dois importantes sentimentos, considerando aquele momento um divisor de águas na União do Vegetal, ao ver jovens se divertindo com cultura, arte, moralidade e espiritualidade, e também sentindo-se reconhecido como Mestre e como artista na instituição.

Inspirado em seu pai, Mestre Marlo Evangelista, ao chegar à Representação do Núcleo Rei Hoasqueiro (2021-2024), em Brasília-DF, incentivou a realização do primeiro Festival de Talentos do Rei, ocorrido no segundo ano daquele triênio, em 2022, que desde então vem sendo realizado a cada ano, proporcionando momentos especiais de confraternização e alegria entre irmandade, famílias e amigos.

Neste dia 10 de fevereiro convidamos todos a conhecer mais o legado do Mestre Roberto Evangelista, que nos presenteia com esta verdadeira fonte de inspiração, que é a riqueza de seu legado artístico.

Ao velho mestre
basta o bastão e a
mínima oração.

Roberto Evangelista


*Marcia Elena Gallina é membro do Corpo do Conselho do Núcleo Rei Hoasqueiro (Brasília-DF, 8ª Região).

Colaboraram: Ana Evangelista e Sâmara Evangelista, filha do casal Roberto e Ana, pertencentes ao Corpo do Conselho do Núcleo Menino Deus (Manaus-AM, 2ª Região).

SERVIÇO:

o livro de haicais “Sementes germinadas”, de autoria de Roberto Evangelista e Márcio Catunda, está disponível no site da Nossa Loja. A coletânea traz 58 haicas de cada autor. Clique aqui e conheça.