Mestre Bartolomeu e seu exemplo de vida
| 22 Dezembro, 2020
No próximo dia 24, Bartolomeu Pinheiro do Nascimento faria 77 anos. Em sua homenagem, o Blog da UDV publica um texto de autoria de sua filha, Ellena Cordahi*. Mestre Bartolomeu conheceu a União do Vegetal em Porto Velho ainda na presença de seu fundador, Mestre Gabriel.
Meu pai foi um homem admirável em alguns aspectos. Inspirava quem o conhecia e tinha a alegria de estar perto dele, pois para ele não havia tempo ruim. Era otimista, resistente e sólido. Uma pessoa singular. Transmitia energia e positividade: “Bola pra frente e chute no gol” era um de seus dizeres. “Vamos em frente que atrás vem gente” era outra frase que dizia sempre, com o objetivo de motivar.
Homem alegre, comunicativo, espontâneo, jovial, energético, sempre recebia a irmandade e amigos com um sorriso largo no rosto, e uns “tapinhas nas costas” – uma de suas marcas registradas. Tinha uma habilidade em lidar com as pessoas e era de uma diplomacia extraordinária. Foi um homem muito inteligente e um “psicólogo nato”, como Conselheira Sandra Vargas** diz. Tinha notável facilidade para aprender e sede por instrução.
Cativar era um dos seus dons. Sua facilidade de comunicação com pessoas de toda e qualquer faixa etária, nível social ou educacional permitia comunicar-se com o caboclo na linguagem do caboclo e com um erudito em sua língua também. Muitas vezes, eu me perguntava de onde vinha tanto conhecimento e sabedoria. “Com certeza um hoasqueiro antigo”, eu pensava.
Pai e professor
Mestre Bartolomeu era um pai aberto para conversas e diálogos quando isso era possível. Ele viajava muito por conta do Exército. Quando não eram os treinamentos e cursos de instrução de sobrevivência na selva amazônica, eram os cursos de especialização fora do estado. Mesmo depois de reformado pelo Exército Brasileiro como tenente, em 1976, ele sofreu um acidente que o deixou mais de três meses fora de Porto Velho, internado no hospital das Forças Armadas no Rio de Janeiro recuperando-se.
Depois que se aposentou do Exército e retornou recuperado dos ferimentos que o deixaram sem os dedos da mão direita, com a audição afetada e usando óculos por conta do estilhaço de granada que ainda tinha ficado alojado em seus olhos, passamos a ter mais tempo para estarmos juntos.
Eu, por ser “a filha mais velha e única”, como ele dizia – pois sou a única menina da casa; os dois outros são meninos –, tinha uma ligação muito forte com meu pai. Recordo-me das inúmeras viagens que fizemos de Porto Velho para Manaus quando ainda criança. Íamos em cima da carroceria do seu caminhão carregado de banana e cobertos por uma lona poeirenta que cobria também a carga de cimento que ele transportava, na volta, de Manaus para Ariquemes-RO.
Numa daquelas diversas ocasiões, para quem conheceu a BR-364, também conhecida como “Transamazônica” naquela época, era bem estreita e com pântanos dos dois lados. Um dia, numa dessas viagens, um caminhão quebrou e ficamos lá. Quilômetros de carros e caminhões que não podiam passar para lugar algum. Meu pai aproveitou aquele momento e, ao invés de ficar reclamando do atraso da entrega e das bananas estarem amadurecendo, juntou-se a nós em cima da carroceria para conversar e explicar o que estava acontecendo. Ali, ele nos ensinou a identificar as Três Marias, o Cruzeiro do Sul e Lupunamanta.
Pai e Mestre
Meu pai tinha um senso de dever e de justiça bem aguçados. Liderava pelo exemplo no trabalho pela UDV. De um coração intrinsecamente bom, era generoso e atencioso com os amigos, auxiliando as pessoas a caminharem “pra frente e pro alto”, “a desatar os nós e estreitar os laços”.
Eu sinto que essa é uma característica bem presente em todos os Mestres da Origem que tiveram a oportunidade de conviver com Mestre Gabriel. Coincidentemente, a maioria é formada por nordestinos, assim como o Mestre Gabriel, e trazem consigo esta força do trabalho e de humanidade.
Gosto sempre de reencontrar as pessoas que conviveram com meu pai e de conversar com elas. É uma forma de conhecê-lo mais. Ouvi de alguns a respeito do amigo verdadeiro que ele era, da pessoa desbravadora que ele foi, da sua disposição para o trabalho e dos frutos que deixou. Destaco aqui o Núcleo Rei Inca (Aparecida de Goiânia-GO), onde fomos recebidos e ele foi o condutor daquele trabalho de formação de dirigentes; além do Núcleo Mestre Ramos, em Ariquemes, onde ele também foi sócio fundador e Mestre Representante.
Pai e amigo
Em uma sessão no Núcleo Rei Inca, pouco tempo antes do seu falecimento, ele teve uma visão na burracheira. Levantou e disse: “… Eu sei que aquele caixão era pra mim. Mas eu quero despedir aquilo e se eu tiver o merecimento, que o Mestre me permita viver mais uns 100 anos! Agora, se eu tiver que viajar mais cedo, eu peço ao Mestre pra eu poder voltar logo, encarnado em uma família de dentro da União do Vegetal e que me dê mais condições de me desenvolver mais, de estudar e me formar – o que não foi possível realizar nessa encarnação – e, de preferência, ainda ouvindo falar em Bartolomeu”. Estas foram suas exatas palavras.
Um dos momentos ao lado do meu pai e da irmandade da UDV que mais me marcaram foi um Preparo de Vegetal dirigido por ele no Núcleo Samaúma (Araçariguama-SP). Foi um Preparo com muita luz, paz, harmonia e o Vegetal ficou ponto grau. Durante a conclusão do Preparo, aconteceu uma das coisas mais bonitas que já vi: a Lua se indo de um lado e o Sol nascendo do outro. E, como fundo musical daquela bela imagem que se formava a nossa frente, ouvíamos a música “Bolero”, de Ravel. Foi um momento belo de êxtase e contentamento.
Assim foi Mestre Bartolomeu, meu pai. Um amigo verdadeiro, honesto, honrava sua palavra e seus compromissos para com as pessoas. Não fugia do trabalho. Pelo contrário, era uma máquina para trabalhar. Não ficava parado. Tinha uma saúde de ferro e muita energia. Gostava de aprender e de estudar. Em sua busca espiritual, foi também membro respeitável da Loja Maçônica de Porto Velho e de Ariquemes, além de um estudioso das Ciências Quânticas.
No dia 24 de dezembro de 2020, meu pai estaria inteirando 77 anos de idade. Desencarnou ainda jovem e inesperadamente, com apenas 42 anos, em Goiânia, vítima de um acidente automobilístico, no dia 27 de março de 1986. Deixou minha mãe, eu e meus dois irmãos. Nossas vidas foram transformadas desde aquele acontecimento inesperado. Dos breves 42 anos de sua vida, 16 deles foram dedicados à União do Vegetal, com a qual se encontrou em 1967, em Porto Velho, e também se encontrou com o Mestre Gabriel e pôde, mesmo que por pouco tempo, plantar a semente da amizade e o bem querer em muitos corações, hoje saudosos deste amigo trabalhador e alegre.
Feliz aniversário, meu pai. Te amo. Até um dia! Que o Mestre Gabriel continue presente contigo onde estiveres!
*Ellena Cordahi integra o Corpo Instrutivo do Núcleo Grande Esperança (Connecticut, Estados Unidos);
**Sandra Vargas integra o Corpo do Conselho do Núcleo Rei Inca (Goiânia-GO).
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Bom ler este relato da irmã Ellena. Conheci M.Bartolomeu e sua família que recebemos algumas vezes aqui no RJ.
Ele era deste jeito mesmo relatado por ela. Um sorriso iluminado e sincero. Inesquecível. Lamento que tenha partido tão cedo. Deixou saudades.
Feliz Aniversario, Papai, e Feliz Natal à todos. Que nesta data em que celebramos o Nascimento do Menino Deus, sua Luz também renasça em nossos corações e nossas vidas.
Feliz Natal pra todos.
Que bela história de vida e contribuição com a UDV.
Saudades do Mestre Bartolomeu. Com esta narrativa que me fez lembrar em uma de suas visitas à Manaus.
Pessoa amiga também dos jovens e sempre atencioso.
Como eu reconhecia nele a grande capacidade de fazer amigos, pedi alguns conselhos ao Mestre Bartolomeu. Disse que pra mim era importante cativar e fazer amigos e ele, com muita atenção, me disse dentre outras coisas:
Têm um livro muito interessante, se você ler, vai te auxiliar muito: Como fazer amigos e influenciar pessoas. Claro, eu comprei e li. Gostei muito.
Mestre Bartolomeu era um bom amigo. Nunca eu o vi se lamentando. Sua mão amiga e seu coração sempre tinha uma mensagem de Paz interior.
Era muito amigo do meu Pai, Mestre Geraldo Carvalho. Mas era também um grande amigo de todos os irmãos da União do Vegetal. Cativou muitos amigos em Manaus!
Histórias como essa nós faz seguir firme, em frente e ao alto sempre, vejo ainda quantas dificuldades enfrentamos, mas que diante desses obstáculos enfrentados por esses mestres, se tornam pequenas. Gratidão a Deus por esse merecimento, de pessoas fortes e trabalhadoras ter feito o que foi preciso pra hoje estarmos aqui bebendo esse chá sagrado de forma confortável.
Grato à Ellena por trazer estas boas lembranças de M. Bartolomeu, pessoa que me recebeu e cativou quando de minha chegada na União, no Núcleo M. Ramos, em 1981. Um Mestre na arte de cativar, um amigo verdadeiro e querido. Sou grato por ter tido a oportunidade de ter sido recebido na UDV por uma pessoa tão carismática, alegre e incentivador. Lembro de um mutirão onde vi que ele convidava três ou quatro irmãos pra realizar um trabalho e, fazendo, mostrava como era pra ser feito. Depois que já tinham aprendido, ia reunir outro grupo pra realizar outro trabalho, Um verdadeiro líder, sempre à frente de seus liderados. Sentia prazer em estar em sua presença, participando das atividades.
Um exemplo de vida e de dedicação a nossa sagrada União. Parabéns, Ellena, pelo belo relato de quem foi M. Bartolomeu.
Bela homenagem, Ellena! Celebramos a vida e o legado do M. Bartolomeu, muito bem descrito em suas palavras! Desejo Saúde, Paz e Prosperidade a você e a toda a sua família!
Muito rico o texto feito pela querida Ellena e gratidão profunda ao Mestre Bartolomeu.
Foi através do convite desse senhor, que meus avós paternos e seus filhos puderam conhecer a União do Vegetal lá em Goiânia, abrindo as portas para que hoje eu e minha família também possa desfrutar desse tesouro que é a União do Vegetal.
Muito boa a iniciativa do blog em trazer relatos como esse.
LPA
Alegria conhecer mais do M. Bartolomeu. Minha gratidão aumenta mesmo sem tê-lo conhecido pessoalmente. Grato, mana Ellena, pela sua amizade e felicidades na jornada do seu querido pai e de todos nós.
Apesar de sua breve passagem aqui pelo nosso planeta, o Mestre Bartolomeu deixou uma bela história de dedicação a nossa sagrada instituição e um bom modelo de homem trabalhador, pai de família e discípulo do Mestre, contada com simplicidade e poesia pela filha Ellena Cordahi. Que sua vida inspire e sirva de exemplo para todos nós caianinhos. Grato pelo excelente texto. Abraços.