Manel Nogueira, mais prática do que discurso

James Allen*

| 30 dezembro 2016

Catador de castanhas em sua tenra infância, aquele que o Mestre Gabriel chamava de Manel Nogueira, e que ficou conhecido como o “Papagaio do Mestre”, é um misto de sobrevivente e líder nato. Nascido em 30 de dezembro de 1946, em Belém do Pará, se vivo estivesse, completaria hoje 70 anos. O Mestre Manoel Nogueira teve uma vida dura. Precisou contar com irmãos, que o apoiaram em reconhecimento à colaboração que ele podia dar para a nossa irmandade por sua convivência com o Mestre Gabriel.

E foi esse apoio que o trouxe a Brasília-DF em 1988, depois de uma importante trajetória pelo norte do Brasil, onde exerceu cargos na direção na União do Vegetal, inclusive o de Mestre Geral Representante, em 1982, quando a Sede Geral ainda era na capital rondoniense – o território transformara-se em estado exatamente naquele ano.

Começou a beber Vegetal em Porto Velho em 1965, até que mudou-se para Manaus-AM para tratar da saúde. Quando o Mestre Gabriel foi à capital amazonense para formalizar o Núcleo de Manaus, em 1971, Mestre Manel recebeu o cargo de Primeiro Tesoureiro, em 25 de janeiro.

Núcleos Caupuri e Estrela do Oriente

Foi Mestre Representante do Núcleo Caupuri em 1976, cargo que recebeu do Mestre Florêncio, e a quem devolveu em 1980. Dali, foi chamado a Porto Velho, recebeu a Representação Geral em maio de 1982 e exerceu o cargo até o final de outubro.

Em 1982, a Sede Geral foi transferida para Brasília-DF. Manel Nogueira foi para Boa Vista-RR, onde fundou o Núcleo Estrela do Oriente, em 1984, e foi Mestre Representante até 1988.

Veio então a Brasília para colaborar com a direção da Sede Geral e em busca de uma melhor condição econômica. Em seus depoimentos, registrados pelo nosso Departamento de Memória e Comunicação (DMC), ele mesmo afirma que, ao sair de Manaus para Porto Velho, sua família sofrera por causa das suas condições materiais.

Sua família o acompanhou em todos esses momentos e vive atualmente em Brasília. Sua companheira é a conselheira Isabel Silva, e os filhos: hoje conselheiro Joel, Joelma, Adamor, Dalva e Lindalva. Todos frequentam a Sede Geral da União do Vegetal.

Núcleo Gaspar

Já no Distrito Federal, Manel Nogueira exerceu a função de Mestre Central da 4ª e 5ª regiões e, por duas vezes, da 8ª Região. Por três anos, de 1991 a 1994, foi Mestre Representante do Núcleo Gaspar. Embora não tenha sido seu fundador – o primeiro a ocupar o cargo foi o mestre Márcio Da Rós – sua atuação foi fundamental na consolidação dos valores daquela irmandade.

Ao constatar que as condições legais do terreno e as financeiras da irmandade não dariam meios para a construção do templo definitivo, declarou: “Vamos nos concentrar em construir uma irmandade forte e não em realizar obras”. E estabeleceu: “A prioridade é o espiritual”.

Representação Geral

Esta é uma marca desse mestre. Voltou a afirmar seu princípio ao receber mais uma vez a Representação Geral, agora em Brasília, em 06 de janeiro de 1997. Declarou na ocasião ao informativo Alto Falante que sua prioridade era “seguir com a União do Vegetal sem desvios”. Infelizmente, nos deixou muitíssimo cedo, falecendo em 1998, sem completar seu mandato.

Acompanhei sua trajetória nos últimos anos de sua vida, desde 1990, e estive com ele em sua única viagem aos Estados Unidos. Vi nele um homem que reconhecia sua necessidade de se aperfeiçoar. Nada declarava, mas quando percebia a necessidade de melhorar sua maneira de fazer ou dizer alguma coisa, fazia, sem alarde.

Era um orador brilhante, qualidade essencial para um mestre. Sua capacidade de ser direto –virtude necessária para os momentos de alta burracheira na sessão – até hoje me impressiona quando ouço gravações de suas doutrinações. Ao transmitir o ensino, centrava, com muita clareza e precisão, naquilo que era essencial na sua compreensão, sem juízo de valor ou interpretações.

Muitos o consideravam duro. Uma vez, disse em sessão, em uma de suas pregações aos irmãos:

– O homem casa uma vez e separa. Diz que a mulher não presta. Casa a segunda vez, separa; a mulher não presta. Casa a terceira e separa. Quem não presta?

Uma vez, reclamei dele, quando me corrigiu. Dissera eu que na primeira pancada eu já havia entendido a lição e ele ainda dava mais dez. Manel Nogueira não fazia por menos, caía na risada:

– Você aguenta. Você tem lombo pra isso!

Memória dos irmãos

Sua capacidade de dizer alguma coisa em que eu estava errado, contudo, era importante. Eu percebia no cotidiano do nosso relacionamento o seu zelo ao me apontar alguma coisa que fazia no exercício do meu ofício de mestre e precisava melhorar. Este é um conselho que sempre repetia, seja para melhorar o uso das minhas palavras ou no cuidado com as minhas atitudes:

– O Mestre Gabriel sempre dizia que precisamos ter cuidado com a memória dos irmãos. E tudo que nós mestres vamos fazer temos que pensar nisso: como isso vai chegar na memória dos irmãos.

Um mestre que ensinava muito mais com a prática do que com o discurso. Recentemente, percebi que eu precisava organizar na minha cabeça as coisas que tinha aprendido com ele em preparo de Vegetal. Surpreendi-me ao perceber que tudo que ele me ensinara foi com a prática.

Todas as vezes que eu o perguntava no preparo sobre como fazer alguma coisa, ele me chamava no local necessário, e já fazia na prática o que eu tinha perguntado na teoria e dizia:

-É assim.

Em um preparo, um discípulo perguntou a ele como o Mestre Gabriel fazia o preparo do Vegetal. Foi tão sucinto, como sempre. Apontou para as panelas e disse:

– Assim.

*James Allen é Mestre Central da 8ª Região do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.

26 respostas
  1. Alvaro Monteiro
    Alvaro Monteiro says:

    Muito legal esse texto. Escrito por uma pessoa que esteve próximo permeado de sentimentos e emoções. Também levei uns puxões de orelha dele. A mais marcante foi em uma sessão do dia das mães lá no Gaspar e eu entrei correndo no salão, ele me chamou pelo nome e falou pra eu sentar no meu lugar e ficar quieto até o final da sessão.

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  2. Odilia Portugal
    Odilia Portugal says:

    O mestre Manoel Nogueira foi uma pessoa muito importante pra nós aqui do RJ. Ele recebeu a Representação do Núcleo Caupuri em que dia de 1976? Pois quando eu bebi o vegetal pela primeira vez em 6/7/76 o MR do Caupuri era o Mestre Florencio. Grata.

    RESPOSTA: Odília, estamos verificando seu questionamento. Segundo o autor do texto, Mestre Manoel Nogueira recebeu a Representação em 1976 (não citou dia e mês) de Mestre Florêncio e à ele entregou em 1980.

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    • Odilia Portugal
      Odilia Portugal says:

      Aguardo a resposta da data que deve ter sido depois deste dia que citei (6/7/1976). Foi o Mestre Florencio que autorizou que eu me associasse, o que fiz, no dia 9/7/1976.

      RESPOSTA: Odília, estamos pesquisando a exatidão da data (dia e mês) que ele recebeu o cargo de Mestre Representante e informaremos assim que a conseguimos. Att, Equipe do Blog.

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  3. Juraildes Cruz
    Juraildes Cruz says:

    Tive a oportunidade de encontrar o M. Manoel Nogueira poucas veses mas ele me deixou a melhor das impressões, demonstrava ser um homem resolvido naquilo que acreditava.

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  4. Belmon Caldas
    Belmon Caldas says:

    Bom dia a todos!
    Bem importante conhecer as raízes iniciadoras, que auxiliaram um bom tanto, o desenvolvimento dessa Instituição, que vem da Sagrada Ordem na Terra.
    Agradecido sou pelo Sr. M. Manel Nogueira.
    Núcleo Menino Deus – Manaus/ AM.

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  5. Francisco Senhorinho dos Santos "Araken"
    Francisco Senhorinho dos Santos "Araken" says:

    Em uma sessão instrutiva, eu perguntei ao M. Manuel como podemos fazer para memorizar os ensinos recebidos em uma sessão, ele respondeu: com burracheira, o discípulo em uma sessão tem tá com burracheira para fazer as perguntas porque com burracheira e acompanhando o andamento da sessão memoriza. Era assim que explicava direto.

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  6. Maria Angélica
    Maria Angélica says:

    Gostei muito das palavras: vamos construir uma irmandade forte e não obras, já que o fundamental é a espiritualidade. Quisera que todos pensassem assim. Eu sempre digo: quem não tem o que ensinar, constrói.

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  7. Pedro Dias de Moraes
    Pedro Dias de Moraes says:

    Caros amigos, tive a felicidade de ocupar o cargo de Mestre Representante da Sede Geral, no mesmo período em que Mestre Manoel recebeu a Representação Geral em 6 de janeiro de 1997. Lendo os relatos de M James Alem, me lembrei de muitos momentos de aprendizado que tive com Mestre Manoel Nogueira, sempre disposto a me ensinar qual a melhor forma de resolver as situações, olhando pelos diversos ângulos, para não cometer injustiças. Tenho muita saudade de sua pessoa as vezes considerado uma pessoa “rente”, mas com um apurado senso de humor, um bom amigo.

    Pedro Dias de Moraes

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  8. Adriano Roberto do Vale.
    Adriano Roberto do Vale. says:

    Apreciei muito a atitude de priorizar mais o desenvolvimento espiritual do que o estrutural. A edificação humana acima de obras estruturais foi o bom exemplo deixado por este fiel discípulo do Mestre.

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  9. Miguel de Paula Gonçalves Holanda Maia
    Miguel de Paula Gonçalves Holanda Maia says:

    É uma alegria visitar esse ambiente virtual e saber um pouco mais dos nossos Mestres da Origem, Mestre Manoel Nogueira faz parte dos mestres que não pude conhecer, então fico grato pela existência desses depoimentos que nos fazem querer conhecer mais essa religião e nos ligar no exemplo de dedicação desses primeiros irmãos.

    Miguel de Paula Gonçalves Holanda Maia

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  10. Jeferson Spinoza
    Jeferson Spinoza says:

    Bom homem. Era Mestre Geral Representante quando comecei na União. Tive a oportunidade de conhecê-lo, aprender e ouvir boas histórias. Desejo que o pai superior o mantenha em um bom lugar. Saudades.

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  11. Godofredo Florito Vianna
    Godofredo Florito Vianna says:

    Gostei muito do texto escrito pelo M. James Allen. Tive a grata oportunidade de compor a Quadro de Mestres do Núcleo Gaspar onde o Mestre Manoel Nogueira era o Mestre Representante… Muitos momentos felizes…

    Lembro-me de um dia, conversando com Mestre Manoel Nogueira, ter questionado o porque de um Mestre ser corrigido na frente de todos na sessão. Ele respondeu: – Godofredo, se você fala uma coisa que não é parte da doutrina da UDV e tem 60 pessoas te escutando, se eu deixar para depois da sessão, como vou corrigir o que foi dito? Tem que ser naquele momento, para que todos os irmãos que escutaram, saibam o certo. Uma vez ele disse para o Quadro de Mestres na casa de preparo: “Lembrem-se, quando perguntarem com quem vocês aprenderam sobre determinados assuntos relacionados a doutrina, vocês podem responder “Aprendi com o Meste Manoel Nogueira que aprendeu com Mestre Gabriel””.

    Saudade daqueles tempos…

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  12. Izidoro De Castro
    Izidoro De Castro says:

    |SINCERIDADE CONSIGO MESMO|

    Na Sede Geral tivemos a oportunidade de conviver com o mestre Manoel Nogueira, convivência que a mim deixou saudades e vivas memórias. Um mérito de alto valor que observei em mestre Manoel, era de se colocar ante os discípulos com simplicidade, alguém que representava o grande mestre Gabriel que também era simples, não via em suas atitudes, nenhum sinal de arrogância ou soberba, com isso no meu entender, não permitia ou alimentava o culto à sua personalidade. Seu jeito irmão de se apresentar, nos oportunizava a aproximação, nos dava a sensação de sermos mais iguais. Em diálogo que tivemos numa ocasião, um assunto que não relembro no momento, mestre Manoel me disse: ‘Izidoro, mestre Gabriel disse, “tudo o que eu faço é ensinando”, mas eu ainda não estou podendo dizer assim’

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