Conselheira Francisca, a primeira professora da UDV
Rodrigo Bomfim Pacheco*
| 18 Agosto 2020
Francisca dos Santos Macedo, a Conselheira Francisca, associada no Núcleo Mestre Gabriel (Porto Velho-RO), nasceu no dia 17 de abril de 1934, em Afonso Pena, hoje Acopiara, no Estado do Ceará. Veio para a Amazônia, acompanhando a família, aos oito anos de idade. A viagem foi a bordo do navio Pará, do Lloyd Brasileiro, a mesma embarcação que trouxe Mestre Gabriel, a quem só conheceu em 7 de maio de 1967, quando bebeu o Vegetal pela primeira vez.
A viagem foi uma aventura, em plena Segunda Guerra Mundial, com perseguição de submarino alemão, a vigilância de aviões aliados e uma epidemia de sarampo a bordo que causou a morte de muitas crianças. Em Belém (PA), passaram para o navio Siqueira Campos e daí até Rondônia, então denominado Território Federal do Guaporé.
Com esforço e muita luta, ela ingressou no Magistério. Quando o Mestre Gabriel veio em definitivo dos seringais estabelecendo-se com a família em Porto Velho, foi convidada por ele para dar aulas de reforço para os filhos, mas a ideia alcançou a vizinhança e 15 crianças passaram a frequentar a Escola 22 de Julho, que funcionava na Sede da União do Vegetal.
Anotações
Em diversos cadernos, com uma letra esmerada, a Conselheira Francisca registrou esta e outras histórias. A seguir, a transcrição das anotações relativas à Escola 22 de Julho. Este ano, Conselheira Francisca comemora 53 anos de União do Vegetal:
“No ano de 1968 funcionou uma escola na casa de Mestre Gabriel, antiga Sede Geral da União do Vegetal, situada à rua Abunã, nº 1419, bairro Olaria, antigo Território do Guaporé.
Quando cheguei à União do Vegetal, em 07 de maio de 1967, o Mestre Gabriel já sabia que eu e minha irmã Josefa éramos professoras e lecionávamos na Escola Samaritana, do bairro Olaria, na rua Benjamin Constant, onde residíamos. Um dos filhos dele, o Jair, ainda adolescente (tinha entre 14 e 15 anos), era meu aluno no 2º ano primário. A família dele havia chegado do Abunã, rio Mamo, com os filhos menores, que estavam precisando estudar, pois estavam um tanto atrasados nos estudos. Jair auxiliava o pai nos trabalhos da Olaria, fazendo tijolos, e não tinha quase tempo para estudar. As outras crianças eram Jandira, com 11 anos, Carmiro, com 9 anos e Salomão, com 5 anos de idade. O Mestre Gabriel convidou-me a dar aulas de reforço na casa dele, na salinha onde eram realizados os trabalhos, sessões e reuniões.
Foram matriculadas diversas crianças que moravam ali perto, entre elas os meus três filhos, os três da minha irmã, dois da irmã Eulália, Jandira, Carmiro e Salomão. A folha de matrícula constava de mais de 15 crianças. O Mestre mandou colocar uma placa na frente da casa onde dizia ‘Escola Particular’.
Organizamos uma festinha no Dia das Crianças com um concurso que elegeria a rainha da escola. Pedimos autorização ao Mestre, que nos disse o seguinte: ‘Se houver concurso na escola vou comprar os votos para minha filha Jandira, ela vai ganhar’. Organizamos a festa na frente da casa, onde fizemos um palanque para a coroação das meninas Jandira, Érica Mendes e Ana Maria, respectivamente rainha, 1ª princesa e 2ª princesa, coroadas com coroas, faixa branca, rosa e azul e vestidos na cor da faixa. Estavam lindas, tiraram fotografias. Mestre Gabriel tirou fotografia com sua filha, muito feliz.
Neste mesmo ano a diretora de Educação e Cultura do Território do Guaporé, Marise Castiel, soube que eu estava lecionando no “mariri”, como chamavam a seita naquela época, pois não conheciam a União do Vegetal em Porto Velho, então mandou uma comissão de técnicos em educação visitarem a Escola Particular para verificar as condições, com a finalidade de incluí-la na rede escolar de ensino, pois havia grande necessidade de escolas. Eles não acharam boas as condições da escola, devido ao pouco espaço para o recreio, educação física, etc. As crianças ficavam apertadas na sala e no pátio, pois a casa era muito pequena, só havia uma mesa comprida e os bancos ao lado.
As crianças faziam barulho, correndo dentro de casa, batiam nas paredes, subiam nos feixes de mariri, fazendo grande algazarra e perturbando os Mestres, que naquela época estavam escrevendo a Convicção do Mestre. A escolinha da União, como era chamada, não teve condições de permanecer e foi preciso desativá-la. Funcionou até dezembro de 1968”.
Conselheira Francisca dos Santos Macedo
Porto Velho, 18 de fevereiro de 1997.
Alunos da Escola 22 de Julho:
Filhos do Mestre Gabriel e Mestre Pequenina: Jandira Gabriel, Carmiro Gabriel e Salomão Gabriel;
Filhos da Conselheira Eulália Castelo: Wilson Vieira da Silva e Suely Maia de Oliveira;
Filhos da Conselheira Francisca: Francisco de Assis Macedo, José Raimundo Macedo e João Bosco Macedo;
Filhos da Josefa (irmã da C. Francisca): Nazaré Miguel de Lima e Joaquim Miguel de Lima;
E mais: Alba Rita Luz, Ademir Luz, Ana Maria Luz, Jarina e Érica Mendes.
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*Rodrigo Bomfim Pacheco é integrante do Quadro de Mestres do Núcleo Príncipe Ancarilho (Guarapari-ES, 5ª Região) .
Texto publicado anteriormente no dia 16 de agosto de 2017.
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Que venham mais histórias das nossas primeiras irmãs. Alegrou e enriqueceu o dia.
Este relato é uma joia. Tanto acontece dentro da simplicidade. LPA
Pessoa mais linda e mais querida que conheci, um espírito com alto grau de evolução percebido por qualquer pessoa no primeiro contato. Fiquei encantada com a doçura, delicadeza, amorosidade que ela emana…
Que ótimo! Me emociona a UDV ter esse respeito e consideração por professores, no caso a C. Francisca representa todos que com amor se dedicam ao magistério.
Ser professora é muito mais do que transmitir o conhecimento.
É aquela que ensina com dedicação e paciência, é aquela que quebra os nossos galhos, aquela que quando tudo está difícil abre um sorriso e diz: calma, você vai conseguir.
É agir com simplicidade, com companheirismo, está sempre disposta a ajudar a qualquer hora, enfim todas essas características se resume a C. Francisca.
Tive a honra de assistir uma sessão dirigida por ela, rica de ensinos e orientações.
Que o Mestre Gabriel esteja sempre conduzindo seus passos.
Parabéns por esse trabalho de auxiliar o Mestre!
Quanta emoção ao ler esse relato, receba meus cumprimentos, Conselheira Francisca, em reconhecimento ao seu trabalho de amor ao próximo.
Um forte abraços com votos de saúde e vida longa!!
Que relato rico!
Parabéns ao Blog pela divulgação.
Achei muito lindo este relato da Conselheira Francisca… emocionante! Meus reconhecimentos a uma Mestra da Educação pelo seu trabalho, dedicação e generosidade!!
Uma HISTÓRIA de fada . Fiquei alegre ,sorrindo com esta jóia que agora tenho acesso. LPA.
Que bom poder conhecer um pouco da história da Conselheira Francisca, um belo exemplo de amor ao próximo. Parabéns ao blog e ao DMC pela iniciativa! Que possamos ter mais registros das conselheiras e irmãs que conviveram com o M. Gabriel.
Gratidão e alegria é o que sinto por ver na União o reconhecimento pela primeira professora e primeira escola da União, nasceu dentro da casa do nosso Mestre. A essa senhora meu respeito e gratidão. Sou professora também !
Que alegria poder conhecer essa história, um belo exemplo que nos diz da prática simples de uma professora disposta que colocou a mão na massa para atender um pedido de M. Gabriel frente as necessidades de escolarização daquelas crianças .
Conhecer historias da UDV alem dos relatos dos Mestres de Origem, com personagens que ali viveram , enriquessem mais ainda nossas origens.
Bonita essa história, eu ainda não conhecia, gostei!
Um pequeno recorte de uma grande história, que hoje nos encanta pelo saciar da sede de a conhecer através das lembranças contadas por nossos primeiros irmãos. Preciosidades da nossa União do Vegetal.
Com certeza ainda é tempo de valorizar e zelar por estas jóias que ainda temos e pela memória dos que já tivemos mais perto.
Parabéns a equipe do blog pelo bom trabalho quem vem sendo realizado.
Que bom saber mais um bom exemplo do Mestre Gabriel e conhecer as boas histórias dos primeiros irmãos interagindo com o nosso Guia.
Sou grato por este presente da presença no blog da história da Conselheira Francisca que soube enxergar o coração amoroso e iluminado de Mestre Gabriel na simplicidade da sua vida. Que venham mais histórias das mulheres pioneiras da UDV que em todo os lugares são presenças singulares a merecerem nossa gratidão e amizade!
Emocionante esse relato, que honra conhecer um pouco da história da C. Francisca e seu trabalho de Amor e dedicação pelas crianças, pela educação e pela UDV. Deixo aqui meu reconhecimento e gratidão a essa Senhora tão especial, C. Francisca!
Importante e bonita matéria trazendo parte da história de nossos primeiros irmãos. Parabéns aos nossos garimpeiros de memórias, que vem nos presenteando com esses tesouros guardados.
Como disse ao C. Badaró, as vivências nessa escolinha e dessas senhoras também merecem um belo vídeo!
Faço votos que tenhamos cada vez mais pessoas interessadas e comprometidas com esse trabalho de zelar e trazer essas experiências para nós que já chegamos mais recentemente nessa União.
Abraços fraternos.
Mais um exemplo de um trabalho que acontece atendendo a uma necessidade e de acordo com a possibilidade do momento! Belo exemplo!! Mais um indicativo para o momento atual!
Conheci a conselheira Francisca e sua irmã Josefa, inseparáveis. Uma história bonita, que nos mostra como o M. Gabriel administrava as coisas, pela necessidade e pela simplicidade.
Que lindo este pequeno relato de tanta grandeza em significado, a simplicidade e facilidade do Mestre administrando e também como sempre nos ensinando!
Esta foto com a turma de crianças e professoras me fez sentir alegria!
Felicidades a esta senhora Conselheira e Professora Francisca! Deus a abençoe,
abraços e flores
Que riqueza termos a oportunidade de conhecer mais um relato dessa semente de esperança e bondade da história do Mestre e dos primeiros discípulos.
Boa amiga, bons conselhos.
Sinto saudades , pois não estamos no mesmo Núcleo. Desejo saúde a querida Conselheira.
Minha querida amada e ‘cumadi’, C. Francisca, salve essa data tão querida a nós. Te desejo boas novas. Saiba que a senhora é bem especial na minha caminhanha espiritual. Sou grata a Deus pela Senhora fazer parte da minha vida e das minhas filhas, e a nossa saudosa C. Josefa, minha comadre. Sou Grata ao Mestre por eu ter o previlégio de conhecer vocês e conviver 15 anos. A senhora me fala das burracheiras e dos ensinos quando o Mestre Gabriel estava vivo e que a senhora vem colher as flores que tens plantado em sua caminhada. Lembra que eu te amo.
Sempre eu gosto de falar nas Sessão do dia 10 que a senhora (C. Francisca) levou uma camisa pra Ele (M. Gabriel) e o pano era ‘volta ao mundo’ e Ele disse “ainda nem fui e já estão me chamando” e outros ensinos também.
Parabéns pela reportagem homenageando nossa querida C. Francisca. Fiz uma entrevista espontânea com a C. Francisca que está incorporada ao acervo da Escola Caianinha, que chamará Escola 22 de Julho, em homenagem a essa primeira escola. Grata a equipe que organiza este trabalho de publicação da história.
Feliz por ler esta linda história no blog da UDV, cujo conteúdo já tinha escutado da minha amiga C. Suely Maia (que foi uma das alunas da escola) em uma Distribuição em Preparo de Vegetal no Núcleo Conselheiro Salomão Gabriel, em João Pessoa (PB)*, onde ela está sócia. Meu reconhecimento à C. Francisca pelo brilhante trabalho desenvolvido em prol da educação no Centro e pela semente plantada.
*o Núcleo Conselheiro Salomão Gabriel é no município de Santa Rita (PB), Região Metropolitana da capital João Pessoa.
Que bom em saber que eu tenho uma conterrânea na origem da UDV. Fiquei bem contente com essa homenagem a C. Francisca e saber que tem mais pessoas de Acopiara-CE na UDV.
Merecida homenagem! Jóia é também conversar com a Conselheira Francisca, perceber a beleza da memória viva a lembrar de momentos vividos e registrado da sessões com M.Gabriel e M.Pequenina.
Linda reconstrução de Memória e Documentação dos nossos Jovens.
Bem singelo!
Escolinha União!
Que essa semente possa se espalhar para que possamos continuar contando boas histórias.
Parabéns, Conselheira Francisca, e todos os alunos e amigos. Parabéns ao Mestre Gabriel! Eu também continuo esta obra, teremos uma educação cultural hoasqueira! Somo meus esforços como professora e executiva também em um espaço ainda precário que devagarinho venho preparando. E um método para transformar as atividades dos estudantes em titulo monetário, graças a lei 11.638. Bela iniciativa de formação social.
Escola de crianças e adultos. Que coisa boa. Nao conhecia esta fotografia. Deve ter sido um tempo de grande alegria para nosso Mestre Gabriel, todas essa crianças estudando na sua casa.
Venho conhecendo mais dessa sagrada obra aqui no blog, um trabalho importante. Quanta beleza existe na simplicidade do Mestre em acolher a todos e fazer florir os dons de cada um. A C. Francisca, como pioneira de uma escola que hoje tem condições de receber licença pra funcionar, tem seu reconhecimento lindo texto.
Que especial! É mais uma confirmação que vamos ter escola na União do Vegetal. Parabens aos primeiros professores na UDV, e por está conhecendo a história destas pessoas.
Que belo exemplo. Muito grata, C. Francisca. A senhora é uma inspiração. Grata ao nosso amado Mestre Gabriel por todo o tempo nos ensinar a ser pessoas mais simples e fazermos o melhor com o que temos disponível. Grata ao trabalho de todos os amigos e amigas que fizeram essa testemunho chegar ate nós.
É sempre tempo de conhecer e aprender. A história da Conselheira Francisca, da Escola 22 de Julho,e do generoso coração do Mestre Gabriel. Tudo isso nos fortalece e enche de inspiração pra seguir na vida. Gratidão.
Bela história traduzida em palavras com maestria. Felicidades, querida Professora!! Alegrou meu dia o reconhecimento à C. Francisca.
Por mais histórias inspiradoras…