Chico Liberato e o Sertão das Areias de Ouro

| 16 Maio, 2023

Tito Liberato*

Foto: Márcio Lima.

“Ê boi encantado e aruá
Ê boi, quem haverá de pegá
Eu vim de longe, bem pra lá daquela serra
Qui fica adonde as vista num pode alcançar
Ricumendado dos vaquêro de mia terra
Pra nessas banda eles nóis representá”

Trecho da música Cantiga do Boi encantado, composta por Elomar para o filme O Boi Aruá. 

O Sertão

No fundo do Sertão, existe uma estrada das areias de ouro por onde passam ilustres fidalgos, sinhazinhas, reis, rainhas e jovens donzelas, e por onde passam também tropeiros, vaqueiros, cegos de estrada e todo universo mítico sertanejo. Jalecos de couro se entrelaçam com mantos de fino tecido e bordas de veludo.

À primeira vista, o Sertão parece um cenário desolado, cuja paisagem predominam os tons de preto e cinza, mas esconde um horizonte infinito de cores. Basta a chuva para abrir-se em flor.

Nascido na beira do mar aos 8 de abril de 1936, foi na aridez da caatinga e sob o solo esturricado do Sertão que Chico Liberato encantou-se e nesse universo imprevisto e misterioso encontrou a inspiração para suas telas, suas esculturas, seus filmes, sua arte.

As Areias de Ouro

Em suas andanças pela longa estrada, Chico Liberato encontrou-se com sua mais graciosa sinhazinha, Alba Liberato, com quem se casou, com quem assim se manteve por 57 anos e de quem recebeu seus mais caros tesouros, que valem muito mais que prata e ouro, os cinco filhos que Deus lhe deu: Ingra (atriz), Cândida-Luz (produtora cultural), Flor (dançarina), João (flautista) e Tito (escritor), além de nove netos.

“Casamento no céu se talha. Aqui embaixo, se aceita”. Era o que dizia.

Sob o pálio deste casamento e com a participação dos filhos, deixou importantes legados cá embaixo.

Premiado na Bienal Jovem de Paris, autor do primeiro longa-metragem do Nordeste (Boi Aruá, em 1982) que foi recomendado pela Unesco como referência cultural, de centenas de telas com temáticas relativas aos índios, aos orixás, à natureza e ao sertão, sua obra é imensa.

Achegou-se à União do Vegetal em 15 de novembro de 1986, ainda nos primórdios do Núcleo Serenita, de onde adiante saiu para ser fundador do Núcleo Estrela da Manhã, junto com sua esposa, em 2003. Desde março de 2022, frequentava o Núcleo Apuí.

Em sua caminhada pelas sendas da UDV, demonstrou ser um discípulo participativo e de boa convivência, sempre colocando seu talento e sua arte à disposição do engrandecimento da Obra.

Mesmo em tempos recentes, quando já contava 86 anos e sua saúde demandava cuidados, continuou frequentando as Sessões e dando sua parcela de contribuição.

O Mar de Pó

Aos 4 de janeiro de 2023, o Tempo chamou este fidalgo para as bandas do mar de pó, que fica onde as vistas não podem alcançar, e lá continua em busca do Boi Encantado, agora não mais por este chão, mas nos campos verdejantes de Nosso Senhor.

Entre nós, ficam as boas lembranças e a gama infinita de cores de sua arte que através da beleza pôde proporcionar um pouco mais de encanto para este velho mundo empoeirado. Com sua alegria e uma vontade imensa de contribuir para um mundo mais humano e mais fraterno, cumpriu sua missão, fez em vida bons amigos e deixou um rico legado.

Que esteja em bom lugar, deixando sua tinta vermelha neste belo céu, tão cheio de azul e branco.

>> Assista abaixo o trecho do documentário A Vida é da Cor que Pintamos em que Chico Liberato canta a Cantiga do Boi Encantado, com cenas do filme O Boi Aruá:

Tito

*Tito Liberato é filho de Chico Liberato. É também membro do Corpo do Conselho da Sede Geral (Brasília-DF) 

11 respostas
  1. Thiago Marinho
    Thiago Marinho says:

    Belíssima homenagem ao nobre Chico Liberato, caro amigo Tito! Que sua visão poética esteja sempre presente nos trazendo o exemplo de que em todo lugar, até nos mais áridos, há encantamentos e belezas a se ver e contemplar. Nosso fraternal abraço

  2. Lílith Marques
    Lílith Marques says:

    Bela homenagem!!! Chico era um artista nas tintas, encantos do imaginário sertanejo índio e caboclo, deixou sua marca na cultura brasileira. Era também um artista na boa prosa, no ritmado chocalho dos festejos de Reis e no bom humor, caracteristicas que faziam a convivência com ele no núcleo Estrela da Manhã algo singular. Afinal heis aí um caianinho singular, refletiu em suas obras também esse caminhar espiritual. Deixou saudades e encantos.

  3. Moara
    Moara says:

    Sogro querido, bateu suas belas asas e voou pro outro plano, tão brando e tão leve, deixando saudades nos nossos corações.
    Sua marca registrada, tão original, fica nas suas obras.
    Gratidão, Chico!
    Belo texto do filho caçula, pai dos meus meninos.

  4. Larissa Ramos
    Larissa Ramos says:

    Belo texto, de uma singularidade e sensibilidade tal qual também inspiravam este bom exemplo de fidalgo, senhor Chico Liberato. Palavras e sentimentos que exprimem tão bem ao digno, criativo e único talento das cores e da vida. Um grande abraço aos queridos amigos Tito, Alba, e família.

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