II Conferência Mundial da Ayahuasca: Centros tradicionalistas fazem alerta no encerramento
| 23 Outubro, 2016
Os três centros tradicionalistas que usam o Chá Hoasca (também conhecido por Vegetal ou Ayahuasca) divulgaram uma carta que foi lida no encerramento da II Conferência Mundial da Ayahusca, realizada entre 17 e 22 de outubro de 2016, na cidade de Rio Branco (Acre). O documento tem como signatários o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal,; o Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo; e Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, também conhecido como Capelinha de São Francisco.
A carta agradece aos organizadores pelo convite para participar da Conferência, aos representantes dos povos indígenas que bebem Ayahuasca e às demais denominações religiosas e a todas as pessoas e organizações que têm a Ayahuasca como referência importante.
O documento também faz um alerta quanto aos riscos e problemas que estão sujeitos a ocorrer quando não se seguem os cuidados que os centros tradicionalistas consideram necessários no uso e distribuição da Ayahuasca.
A Carta lembra que esses cuidados são reconhecidos e recomendados pelo Estado Brasileiro em textos e atos de diversos organismos oficiais, e que já foram delineados há 25 anos, na Carta de Princípios das organizações religiosas usuárias da Ayahuasca.
Veja a seguir a íntegra da carta lida no encerramento da Conferência:
CARTA DOS CENTROS TRADICIONALISTAS À II CONFERÊNCIA MUNDIAL DA AYAHUASCA
Agradecemos, inicialmente, aos organizadores desta Conferência pelo honroso convite para dela participarmos, que nos fizeram por meio da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras do município de Rio Branco. Para nós, esse convite é um reconhecimento ao trabalho e aos ensinamentos de nossos Mestres fundadores, pelos quais procuramos zelar para que permaneçam como referência de respeitabilidade no uso religioso da Ayahuasca. Agradecemos também pela autonomia que tivemos para relatar nossas experiências e expor nossos princípios e critérios, pela excelente e organizada condução do evento e pela cordialidade e respeito que nos dispensaram.
Agradecemos aos representantes dos povos indígenas originários, seus líderes espirituais e suas comunidades, que se constituem como verdadeiros guardiões da floresta e herdeiros das culturas e tradições que nela se desenvolveram desde os tempos de seus ancestrais.
Agradecemos às demais denominações religiosas e a todas as pessoas e organizações que têm a Ayahuasca como referência importante em suas vidas e seus trabalhos, pelo debate fraterno e a convivência respeitosa mesmo nos momentos de expor diferenças ou divergências.
Agradecemos aos cientistas, pesquisadores e estudiosos da Ayahuasca por compartilharem conosco e com todos os participantes da Conferência os resultados de seus estudos.
Em nossa participação nesta Conferência, procuramos apresentar – com toda clareza e simplicidade – quem somos e o que fazemos. Entendemos que a afirmação de nossa identidade e a manutenção de nossos princípios não ofende os direitos de qualquer pessoa, organização ou comunidade. Não nos consideramos superiores, nem cultivamos inimizades com ninguém. Se, em qualquer momento, demonstramos diferenças e divergências, nossa intenção sempre foi e continua sendo de manter um relacionamento honesto e transparente, sem nos omitirmos na defesa de nossos princípios e valores. Nossos Mestres nos ensinam a guardar coerência entre as palavras e a prática, para nos mantermos no caminho da Verdade.
Por isso reafirmamos – nesta ocasião, como em outras – os princípios que nos regem. E nos sentimos no dever de alertar quanto aos riscos e problemas que podem ocorrer quando as práticas não estão de acordo com os cuidados que consideramos necessários no uso e distribuição da Ayahuasca. Esses cuidados, que hoje são reconhecidos e recomendados pelo Estado brasileiro em textos e atos de diversos organismos oficiais, já foram delineados há 25 anos, na Carta de Princípios das organizações religiosas usuárias da Ayahuasca, em 1991, tratando-se de balizamentos éticos fundamentais. Entre outros, queremos destacar três pontos:
a) A identidade pública do centro ou igreja que usa ayahuasca, com autonomia e autodeterminação para pensar, agir e organizar-se livremente, sem tutela ou restrições. A essa liberdade corresponde a responsabilidade de assumir seus atos perante a sociedade, as autoridades públicas e às leis vigentes no país.
b) A utilização exclusiva de ayahuasca – feita de cipó (Banisteriopsis caapi), folha (Psychotria viridis), e água –, sem associação de qualquer substância em sua preparação e ingestão.
c) Nenhuma forma de comercialização. Os associados de cada centro ou igreja arcam com os custos de manutenção de suas instituições, inclusive da confecção e transporte da ayahuasca, sem repassar esses custos para não associados.
A experiência nos ensina que a observância desses princípios éticos e morais reduz os riscos de problemas e traz benefícios. A saúde de nossas comunidades é a prova disso. Com tais princípios, queremos dialogar com todos, especialmente com os povos indígenas, cujas tradições afirmam, desde suas origens, princípios semelhantes de cuidado e respeito pela Ayahuasca e pela floresta em que ela nasce.
Depois de décadas de exploração predatória das duas espécies vegetais que compõem a Ayahuasca, é evidente o comprometimento da Floresta Amazônica. O que mostra a necessidade de nos unirmos em torno de ações de proteção, mapeamento dos impactos já causados e de recuperação, a curto prazo.
Conclamamos todos os ayahuasqueiros, especialmente os que vivem fora da Amazônia, para a conscientização da necessidade e importância da responsabilidade ética, ambiental e social da produção e distribuição da Ayahuasca, em face da expansão internacional e das pressões econômicas envolvidas no processo.
Acreditamos que a conquista de liberdade para o uso religioso da Ayahuasca no Brasil foi e está sendo possível pela existência dos povos e comunidades – entre as quais nos incluímos – que demonstraram equilíbrio e responsabilidade, credibilidade e legitimidade social. Outras comunidades de outros países podem conquistar tudo isso e ainda mais, como já se tem notícias de conquistas.
Nossa contribuição é mostrar nossa experiência e a excelência dos ensinamentos do Mestre Irineu, Mestre Daniel e Mestre Gabriel, a quem rogamos para que nos dêem a luz da sabedoria e que abençoem a todos.
Somos gratos pelo respeito e pela atenção.
Rio Branco-AC, 22 de outubro de 2016.
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A Carta acima é assinada pelos três centros tradicionalistas que fazem uso do Chá Hoasca (Vegetal ou Ayahuasca) em seus ritos religiosos – a saber: Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo, Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz” e Centro Espírita Beneficente União do Vegetal.
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Post atualizado em 31 de outubro de 2016, 10h31min (horário de Brasília).
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Acredito sublime a explanação da CARTA DOS CENTROS TRADICIONALISTAS À II CONFERÊNCIA MUNDIAL DA AYAHUASCA.
Nos sentimos fortalecidos pela forma tão consciente de seus autores em propor posicionamentos cada dia mais firmes com o uso da AYAHUASCA e sua repercussão a nível internacional.
Louvamos a participação do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal quanto a participação nesta Carta e em todas outras contribuições em pauta da programação neste conclave.
Excelente reafirmação dos valores essenciais a serem conhecidos pela Sociedade, de maneira a identificar o trabalho e os objetivos das religiões hoasqueiras. Atende aos corações daqueles que, sem querer criticar ou prejudicar quem quer que seja, se identificam na causa da busca pela evolução espiritual através do autoconhecimento.
Acho que com certeza devemos nos unir e planejar a nossa amazonia principalmente quando nos referimos ao desmatamento sou parceiro para ajudar
Pelo que li, foi muito bom o II Congresso Mundial da Ayahuasca e também reconhecimento pelo trabalho dos mestres citados na carta.
Satisfeito com a realização deste encontro quero contribuir lembrando que a palavra Ayahuasca tem tradução no espanhol e não faz parte da cultura brasileira, a letra y não faz parte do alfabeto português sendo assim o nome Hoasca o verdadeiro e próprio para ser utilizado. Peço que examinem a observação para que possamos em uníssono manifestar nossa boa compreensão.
RESPOSTA: José Maurício, somos gratos pela sua observação. Na União do Vegetal nós usamos os termos Vegetal ou Chá Hoasca, conforme Mestre Gabriel ensinou. A adoção do termo Ayahuasca em nossos textos é uma forma de fazer referência as comunidades e publicações que assim consideram este nome e também podem contribuir para trazer clareza ao assunto.
Acredito que a liberdade de culto e suas formas seja um princípio democrático dos mais importantes. Louvar ao Criador da forma que achar melhor, buscar melhorar, progredir e avançar faz parte dos deveres de qualquer ser humano. É o que busco, estando aqui na UDV. Desejo um mundo justo e bom para todos, com oportunidade, liberdade, justiça e, por isso, cheio de luz, paz e amor. Temos todos o dever de declarar nosso amor por todos os seres deste lindo planeta, nossa casa. E a Hoasca nos proporciona essa consciência. Por isso, necessitamos tanto dela.
uai o pessoal do cefluris e da barquinha também não assinou essa carta?? Eu queria saber onde posso encontrar a carta de 25 anos passados como consta no texto?? onde pode me indicar um link
Obrigada
RESPOSTA: Cara Maria Cecília, A Carta de 22 de outubro de 2016 é assinada pelos três centros tradicionalistas que fazem uso do Chá Hoasca (Vegetal ou Ayahuasca) em seus ritos religiosos – a saber: Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo, Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz” e Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Quanto a Carta de Princípios, ela pode ser acessada no link a seguir: https://udv.org.br/blog/carta-de-principios-sobre-uso-do-cha-hoasca-inteira-25-anos/