UDV homenageia Conselheira Eulália

| 12 Setembro, 2023

Helena Lodi*

Saudades da enfermeira…

Os olhos miúdos e o sorriso passarinheiro daquela senhora evidenciavam a brasilidade cabocla de uma vivência de luta e superação ao longo dos seus 88 anos. No ritmo dos seus passos lentos, o silêncio era sua principal companhia. Falava se alguém perguntasse. Vez ou outra, o tesouro das suas memórias era revelado aos pouquinhos, como continhas de um rosário, para quem lhe fosse de direito. Seu jeito discreto e simples de servir ao próximo refletia o que aprendera com seu Guia Espiritual.

Eulália Castelo Maia nasceu na cidade de Rio Branco (AC), em 12 de fevereiro de 1935. Ainda era criança, quando demonstra sua busca sincera pela espiritualidade:

Mamãe, eu só quero morrer quando conhecer a verdadeira religião.

Aos 15 anos, muda-se para a rua Abunã, em Porto Velho (RO). Vai morar a duas casas de um casal que mudaria o rumo da sua vida. Conhece primeiro a Mestre Pequenina, no final de 1965, e logo se encanta por sua simplicidade e simpatia.

Nessa época, Eulália trabalhava no hospital São José como enfermeira. Era mãe solteira de dois filhos, o Wilson e a Suely. Ao todo viria a ter sete filhos: Wilson Vieira, Suely Maia, Fábio Castelo, Adriana Teles (adotada), Messias Castelo, Antônia Beatriz e Selma Castelo.

O Wilson tinha 6 anos quando adoeceu de uma grave enfermidade, sem cura pela medicina convencional. Contudo, como alívio sublime para um coração de mãe, sua recente amiga dona Pequenina diz a ela para levar o menino à sua casa, que seu marido o curaria. E assim aconteceu, com três dias o Wilson estava curado.

Poucos dias depois, Mestre Pequenina a convida para uma festa na olaria. Era um preparo de Vegetal – Eulália foi a única pessoa que Mestre Pequenina trouxe para a União do Vegetal em toda a vida.

E ela, perante a luz da burracheira, percebe com gratidão que sua existência não seria mais a mesma. Reconhece no Mestre Gabriel um pai, o seu Guia Espiritual, e na Mestre Pequenina um coração amoroso.

No dia seguinte, segue sua rotina de acordar cedo, preparar a alimentação das crianças e sair para trabalhar. Porém, ao retornar para casa depois do trabalho, tem um grande susto: “Onde estão meus filhos?!”

Mas logo se tranquiliza. Seus amores, que ficavam em casa sozinhos, estavam sob a guarda e amparo de dona Pequenina, que os havia levado para sua casa – e isso se repetiu ao longo dos anos dali em diante.

Quando eu chegava, eles estavam de barriga cheia, muitas vezes deram de comer aos meus filhos; muito caridoso, o Mestre Gabriel. Só que a caridade dele era assim, não demonstrava que ele estava fazendo a caridade, parecia que não era ele. Mas era ele, sim. A Suely e o Wilson foram criados dentro da casa de Mestre Gabriel e da comadre Pequenina.

Eulália, sentindo todo o bem que estava recebendo, faz em silêncio uma promessa:

Este lugar curou o meu filho; eu vou seguir aqui por toda a minha vida.

Ela se torna a sócia de número 24 na União do Vegetal, em 1966. Em 1967, é convocada ao Corpo Instrutivo por Mestre Gabriel. Por querer seu filho com saúde, pede ao Mestre para também associá-lo – e o Wilson se torna a única criança associada em toda a história da União do Vegetal.

Sempre disposta a contribuir com a Obra, Eulália foi solicitada por Mestre Gabriel para providenciar um modelo de camisa para o uniforme, cuja cor, verde, já havia sido escolhida em uma Sessão de Escala.

Aí eu levei a minha farda de trabalho para ele, que disse: “É desse jeito mesmo, Dona Eulália. A gola é assim, pode fazer desse jeito.” O tecido eu escolhi um, ele não falou para comprar tal tecido. Era verde, a cor da nossa farda.

Mais na frente, quando Mestre Gabriel necessita de cuidados especiais com a saúde, Eulália passa a ser sua enfermeira e da família. Seu amor e sua gratidão materializam-se em zelo e cuidados, os quais manteve durante todo o tempo de convivência.

Às vezes o Mestre Gabriel pedia; outras vezes eu via ele enfraquecido, gemendo baixinho. Ele tinha uma tosse, parecia asma. Então eu procurava a nossa enfermeira-chefe, e ela prescrevia soro, glicose e alguns fortificantes para eu aplicar nele. Convivi com ele e muita coisa não aprendi, porque o maior interesse era o cuidado com ele. Achava que, se ele vivesse mais anos, ele ia trazer mais coisas pra nós, mais ensinos… Então, o meu objetivo era a saúde dele na Terra.

Mestre Gabriel sempre reconhecia e valorizava as pessoas da irmandade. Assim, numa Sessão, oferece a música A Enfermeira (Tonico e Tinoco) para Eulália, o que muito a emociona.

Mesmo depois de o Mestre fazer a passagem, Eulália continua a cumprir sua palavra de permanecer sócia da União por toda a vida. Ao longo do tempo, sua amizade com sua comadre Mestre Pequenina foi seu porto seguro.

Anos depois, em 1987, ainda em Porto Velho, no Núcleo Mestre Iagora, recebe o Corpo do Conselho, das mãos amigas de Mestre Jair, lugar que honrou e em que permaneceu enquanto viveu.

Mudou-se para João Pessoa (PB) com sua filha, Conselheira Suely, em 2003, auxiliando na formação do Núcleo Conselheiro Salomão Gabriel, do qual é sócia-fundadora.

Então, em agosto de 2023, a Conselheira Eulália é submetida a uma cirurgia de emergência. No hospital, momentos antes de desencarnar, revela-nos seu sentimento de devoção. Durante um procedimento médico, é solicitado a ela que reproduza uma frase elaborada. E a médica sugere: “Quero voltar pra casa e encontrar minha família”. A Conselheira Eulália faz um breve silêncio e diz, com voz firme:

Eu estou com saudades do Mestre Gabriel.


Helena Lodi (1)

*Helena Lodi é integrante do Corpo do Conselho da Sede Geral (Brasília-DF).

19 respostas
  1. Júnior
    Júnior says:

    Belo texto! Uma vez perguntei pra ela qual era a sentimento que ela tinha pelo Mestre e ela respondeu que era a gratidão por ter curado o filho dela e achei isso muito bonito. Pude perceber nela uma pessoa que tinha amor pelo Mestre e que com certeza está bem amparada. Que Deus conforte toda a família.

  2. Erika Madelaine
    Erika Madelaine says:

    Como não se emocionar com uma história dessas e um texto lindo desses.
    Que tenhamos sempre essa disposição de auxiliar o próximo e de se firmar cada vez mais nesta obra santa que nos fortalece, nos une e nos faz amar.

  3. Tito Liberato
    Tito Liberato says:

    Belo texto. Um forte testemunho de uma pessoa cativada e assistida pelo Mestre Gabriel e sua família, cuja lembrança e presença permaneceu até o dia em que, num leito de hospital, despediu-se desta vida.

  4. Daniel Azevedo
    Daniel Azevedo says:

    Pessoa muito querida, amiga sincera que não tinha muito rodeio pra falar. Com seu jeito simples cativava aqueles que dela se aproximavam.
    Deixo aqui meus sinceros sentimentos de alegria por ter conhecido e convivido com ela.
    Saudades querida amiga.

  5. Álvaro Botelho
    Álvaro Botelho says:

    Esse texto também traz cura para quem lê, pois conta a história de uma mulher lutadora que hoje está eternizada em palavras e memórias de quem a conheceu. C Eulália reconheceu, respeitou e seguiu nosso guia até seus últimos nesse plano, desejos que nosso Mestre a receba e guie no caminho da luz .
    Belíssimo texto C Helena Lodi

  6. Antônio Pereira Mesquita
    Antônio Pereira Mesquita says:

    É com pesar que leio essa matéria, Tive a oportunidade de conhecer essa Senhora de voz mansa e clara em Rio Branco Acre naquela oportunidade atendendo uma solicitação da Conselheira Zildinha comadre da Conselheira Eulália fizemos uma excelente entrevista … que traz assuntos importantes sobre sua vivência com Mestre Gabriel, Conselheira Pequenina e família.
    Que a frase da Conselheira Eulália “Estou com saudade do Mestre Gabriel” ela estava com o Mestre.

    Votos de Conformação é que o Mestre Gabriel esteja presente confortando os coração dos familiares e amigos.

    Abraço Fraterno,

    M Mesquita
    NCZS – 17 Região
    Cruzeiro do Sul-Acre

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